Crónicas em Ciências

Que lição nos pode dar o trigo barbela?

Da “revolução verde” à Agroecologia

João Vieira e Ivo Canela

João Vieira e Ivo Canela, na Póvoa, Cadaval

HortaFCUL

O Dia Aberto dos Produtores acontece no próximo dia 19 de março, no Mercado de Santa Clara, em Lisboa.

“Bom grão dará bom pão” ou “antes pão do que fortuna” são provérbios populares que lembram a importância deste alimento para as populações, e do cereal mais utilizado na sua produção - o trigo.

O trigo mole (Triticum aestivum) constitui cerca de 95% das mais de 700 milhões de toneladas de trigo cultivadas anualmente. É uma espécie jovem, tendo surgido em cultivo há cerca de 10.000 anos, provavelmente por hibridização espontânea do trigo tetraploide cultivado com a gramínea selvagem Aegilops tauschii (Dubcovsky & Dvorak, 2007). Em contraste, o trigo duro (Triticum turgidum var. Durum), corresponde apenas a 5–6% da produção total de trigo. O trigo duro é cultivado predominantemente na bacia do Mediterrâneo e em outras regiões de clima semelhante (Shewry e Hey, 2015), sendo a sua farinha utilizada principalmente para fazer massas.

O sucesso global do trigo resulta da sua ampla adaptação aos ambientes locais, mas também do elevado rendimento na sua produção, resultante da bioengenharia realizada ao longo do século passado. A “revolução verde” foi iniciada na década de 1960 para abordar a questão da desnutrição em países em desenvolvimento. Norman Borlaug e os seus colegas passaram a década seguinte a cruzar milhares de variedades de trigo de todo o mundo, culminando no aumento da produção de grãos, menor estatura e maturação precoce, mas também tornaram as culturas mais dependentes de fertilizantes químicos e rega intensiva. Adicionalmente, foi sugerido que o foco na produção intensiva e na qualidade do grão, tenha resultado na perda de outros fatores nutricionais que podem contribuir para a nossa saúde (Morris e Sands, 2006).

“Os recursos genéticos vegetais são a base biológica da segurança alimentar e, direta ou indiretamente, apoiar a subsistência de cada pessoa na Terra” [Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), 2007]. Conforme apontado na citação da FAO, as sementes são o coração da agricultura e a fonte dos alimentos. Estas carregam a informação genética que suporta a agricultura e, portanto, são vitais para a diversidade, resiliência e segurança alimentar. Além disso, as sementes são importantes na área da Economia, uma vez que a semente é um bem que pode ser comercializado globalmente (Louwaar et al., 2011).

Na primeira metade do século 20, as sementes estavam predominantemente nas mãos dos agricultores. Nas décadas desde então, as sementes gradualmente saíram do controlo dos agricultores e passaram para as mãos de grandes empresas multinacionais (Howard, 2009). Esta mudança causou a otimização de processos de hibridização e a comercialização de sementes híbridas tornou-se generalizada, entre outros avanços tecnológicos, como a modificação genética. A soberania no que toca à produção de semente está também ameaçada, face a obrigações iminentes como o registo oficial de cada variedade. A implementação de políticas e incentivos à agricultura, também está longe de favorecer os pequenos produtores, convidando ao regime de dependência destas grandes empresas. Ainda assim, há quem se mantenha resiliente.

Em contraste a estas variedades modernas uniformizadas para corresponderem ao paradigma ditado pela “revolução verde”, existem outras que ainda se regem pelas pressões ambientais locais, sendo geneticamente diversa, providas de identidade cultural e associadas a sistemas agrícolas tradicionais (Villa et all, 2005) a que se dá o nome de raças crioulas, ou em Inglês, landraces. Apesar da grande importância dessas variedades crioulas, a sua manutenção foi seriamente ameaçada, especialmente desde a década de 1970, a par da intensificação da emigração e do êxodo rural (Pêgo e Antunes, 1997).

A Agroecologia foi adotada por aqueles que viram no modelo da “revolução verde” exigências que não são compatíveis com as necessidades dos pequenos produtores e incompatíveis com a sustentabilidade dos recursos. Propõe uma resposta holística, que promova a reconciliação da agricultura e das comunidades locais, com os processos naturais. A Agroecologia promove a independência do agricultor e a produção local e diversificada. Nomeadamente, através das variedades crioulas, aliada à capacidade das comunidades locais de gerar e inovar através da partilha descentralizada de saberes entre agricultores (Holt-Giménez, 2006). É de destacar que em março de 2011, o relator especial das Nações Unidas para o Direito à Alimentação, Olivier de Schutter, apresentou um novo relatório, “Agroecologia e o direito à alimentação”, baseado numa revisão de literatura científica atual. O relatório demonstra que em certas regiões, a Agroecologia, devidamente apoiada, pode duplicar a produção de alimentos em dez anos, e em simultâneo conduzir à mitigação/adaptação climática, combatendo a pobreza rural.

Scripta manent. O que se escreve,fica, permanece.
"Um pequeno óasis escondido na cidade. Na HortaFCUL, a ciência faz-se com as mãos na terra" in Mensagem de Lisboa.

O trigo barbela é uma dessas variedades. Uma relíquia do século passado que sobreviveu aos processos modernos de seleção, vingando nos solos pobres onde os trigos melhorados falham. Na Póvoa, no Cadaval, distrito de Lisboa, João Vieira, octogenário, emigrante, técnico agrícola e um entusiasta da Agroecologia, lidera um grupo informal que promove esta e muitas outras variedades crioulas de sementes, que têm vindo a desaparecer desde a sua juventude. Além do barbela, também preserva outras variedades de trigo massaruco, angelino, preto-amarelo e o raspe-negro, bem como uma variedade incomum de grão-de-bico negro. João Vieira reconhece as sementes como uma dádiva negligenciada e acredita que o abandono, tanto de práticas agrícolas tradicionais como de variedades locais, contribuem para uma perda de biodiversidade e diminuição da qualidade de vida.

Por nos sentirmos inspirados e com vontade de ter um papel ativo na proteção destas variedades de cereais ouvimos com gosto as vivências de João Vieira e adotamos algumas das suas sementes, com a responsabilidade de manter o legado vivo. Na HortaFCUL reconhecemos a necessidade de adotar técnicas agrícolas mais eficientes com urgência, combatendo a monopolização da agricultura. Defendemos a preservação cultural e genética das variedades crioulas, aliadas a um uso sustentável do solo, e à soberania, segurança e sustentabilidade alimentar, compatível com altos índices de biodiversidade e uso racional de recursos. Através da componente pedagógica de educação ambiental e de comunicações como esta, esperamos contribuir para passar esta mensagem a diversos públicos alvo. Fica a esperança de que este artigo incentive à produção deste tipo de culturas para um (re)conhecimento da sua história e importância.

Referências

Dubcovsky, J., & Dvorak, J. (2007). Genome plasticity a key factor in the success of polyploid wheat under domestication. Science, 316(5833), 1862-1866

FAO (2007). The state of the world's animal genetic resources for food and agriculture. Food & Agriculture Org., 2007

Holt-Giménez, Eric. (2006). Movimento Campesino a Campesino: Linking sustainable agriculture and social change. Food First Backgrounder

Howard, Philip H. (2014) Chart: Seed Industry Structure, 1996-2013. https://philhowardnet.files.wordpress.com/2017/05/seedindustry.pdf

Louwaars, N. P., Le Coent, P., & Osborn, T. (2011). Seed systems and plant genetic resources for food and agriculture. FAO

Mendes Moreira, Pedro. (2006). Participatory maize breeding in Portugal. A case study. Acta Agronomica Hungarica. 54. 431-439. 10.1556/AAgr.54.2006.4.6

Morris, C. E., & Sands, D. C. (2006). The breeder's dilemma—yield or nutrition?. Nature biotechnology, 24(9), 1078-1080

Pêgo, S., Antunes, M. P. (1997): Resistance or tolerance? Philosophy may be the answer. Proceedings of the XIXth -Conference of the International Working Group on Ostrinia. Guimarães, Portugal

Villa, T. C. C., Maxted, N., Scholten, M., & Ford-Lloyd, B. (2005). Defining and identifying crop landraces. Plant Genetic Resources, 3(3), 373-384

Shewry, P. R., & Hey, S. J. (2015). The contribution of wheat to human diet and health. Food and energy security, 4(3), 178-202

Ivo Rosa, com Rebeca Mateus, HortaFCUL
info.ciencias@ciencias.ulisboa.pt
Alunos e professoras no campus da Faculdade

O novo ano letivo começou esta semana e a Faculdade deu as boas-vindas aos alunos do Advanced Quantitative Methods on Health Care Innovation, cujas aulas online começaram esta terça-feira e se prolongam em Portugal até ao próximo dia 15 de outubro.

Estação de Extração de RNA

“Foi incrível perceber que numa adversidade, o ser humano tem a capacidade de se reinventar e criar novos projetos", diz Daniel Salvador, voluntário no CT Ciências ULisboa, entre maio e julho, licenciado e mestre pela Ciências ULisboa, atualmente estudante do 4.º ano do doutoramento em Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da ULisboa.

Criança em casa acompanhada pela presença de um adulto

Uma equipa de nove estudantes da ULisboa - LxUs -, supervisionados por Hugo Ferreira, professor do Departamento de Física e investigador do Instituto de Biofísica e Engenharia Biomédica da  Ciências ULisboa, ganhou o Translation Potential Runner-Up Award na 5.ª edição do SensUs Student Competition, 2.º lugar na categoria de potencial de translação, um prémio que valoriza a capacidade de criação de um modelo de negócio, viável e com qualidade.

Pormenor da visão artística da observação da "estrela bebé"

Pela primeira vez foi possível observar como é que uma “estrela bebé” adquire massa até chegar à sua massa final. Arcos de campo magnético ligam a “estrela bebé” ao disco circundante e a massa flui. Os resultados desta observação encontram-se publicados na revista Nature. O artigo resulta de uma colaboração no âmbito do GRAVITY, um instrumento desenvolvido por um consórcio internacional e do qual fazem parte cientistas do CENTRA, polo da Ciências ULisboa.

Marta Palma no CT Ciências ULisboa

“A maior aprendizagem é perceber que de facto existem pessoas maravilhosas, com uma enorme generosidade e grande sentido de voluntarismo e muito dinâmicas. E que trabalhando juntos, podemos de facto fazer a diferença”, diz Marta Palma, funcionária do Departamento de Biologia Animal e voluntária no Centro de Testes Ciências ULisboa.

Homem em banco de jardim, observando o rio

Andreia Santos, psicóloga do GApsi Ciências ULisboa, deixa um alerta: "o nível de cansaço sentido pelas pessoas a assistir a conferências, palestras através de um ecrã é superior ao de assistir ao mesmo de forma presencial".

Vanessa Mendonça

“Este prémio simboliza não só o reconhecimento do meu trabalho, mas também de toda a equipa que nele participou”, conta Vanessa Mendonça, segunda classificada pelo Prémio de Doutoramento em Ecologia - Fundação Amadeu Dias 2020. Vanessa Mendonça concluiu o mestrado e o doutoramento na Faculdade e atualmente é investigadora do MARE.

A SPECO anunciou recentemente os vencedores do Prémio de Doutoramento em Ecologia - Fundação Amadeu Dias 2020. José Ricardo Paula é o grande vencedor desta edição e irá apresentar o seu trabalho no 19.º Encontro Nacional de Ecologia, este ano associado às cerimónias dos 25 anos da SPECO, e que se realiza em dezembro, em Ponte de Lima.

Centro de Testes

Rita Loewenstein Simões, de 23 anos, é voluntária no Centro de Testes Ciências ULisboa, na estação Mix e Real-Time PCR, desde maio passado. Para esta jovem bióloga, formada na Faculdade, este trabalho tem um significado muito simples: ajudar. E foi exatamente isso que a motivou - saber que todas as horas que disponibilizasse fariam a diferença.

Informação eletrónica de rua: Keep your distance

Ganna Rozhnova trabalha em modelação epidemiológica na UMC Utrecht, na Holanda. A antiga aluna de doutoramento em Física Estatística da Faculdade, continua a colaborar com o BioISI e é a investigadora principal de um projeto da FCiências.ID, financiado no âmbito do Apoio especial a projetos Research 4 COVID-19.

Spinophorosaurus nigerensis

Uma inovação anatómica pode ser a chave na compreensão da evolução dos dinossáurios saurópodes. Os autores deste trabalho - Daniel Vidal, Pedro Mocho, Ainara Aberasturi, José Luis Sanz e Francisco Ortega - acreditam que parte do êxito evolutivo deste grupo de animais está relacionado com alterações na cintura pélvica e que esse fator contribuiu para os converter nos animais de maior porte da Terra.

Centro de Testes

“Em cada turno processamos uma quantidade significativa de amostras e é sempre importante conseguirmos fazê-lo eficientemente, para que os resultados sejam conseguidos num curto espaço de tempo”, diz Catarina Lagoas, voluntária no Centro de Testes Ciências ULisboa.

Teclado para invisuais

“A tecnologia deve poder ser usada por todas as pessoas!”, diz Carlos Duarte, professor do Departamento de Informática, investigador do LASIGE Ciências ULisboa, e recentemente membro do World Wide Web Consortium (W3C) e da Ação COST LEAD-ME -Leading Platform for European Citizens, Industries, Academia and Policymakers in Media Accessibility.

 olho de choco

Um grupo de investigadores da Ciências ULisboa a trabalhar no Laboratório Marítimo da Guia do MARE conseguiu mostrar que chocos acabados de eclodir (até cinco dias) são capazes de ter uma aprendizagem social. O estudo publicado na  Animal Cognition tem como primeiro autor Eduardo Sampaio, estudante de doutoramento em Biologia (ramo Etologia).

ETAR de Gaia Litoral

A análise de mais de 200 amostras de águas residuais das cinco ETAR monitorizadas no âmbito do projeto COVIDETECT comprova a presença de material genético nos afluentes que chegam às ETAR e evidencia a ausência de deteção do material genético do vírus SARS-CoV-2 nos efluentes tratados.

National Cancer Institute

Investigadores do LASIGE Ciências ULisboa, INESC TEC e Universidade do Minho apresentam uma nova técnica de deduplicação de dados baseado em semelhanças e padrões encontrados nos ficheiros de sequenciação de genomas humanos e uma codificação das alterações para a recuperação desses dados.

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Sétima rubrica Radar Tec Labs, dedicada às atividades do Centro de Inovação da Faculdade. A empresa em destaque é a Keep on Care.

Computador

“O período de confinamento pode ser encarado como um primeiro grande teste à integração de renováveis no sistema elétrico, prelúdio do que se prepara com a transição energética global em curso”, escreve o cientista Miguel Centeno Brito.

Conceção artística do telescópio espacial Athena (Advanced Telescope for High-Energy Astrophysics)

“Ciências ULisboa tem vindo a aumentar a sua capacidade e a sua intervenção no desenvolvimento científico e tecnológico de alguns dos projetos mais importantes para o avanço da Astrofísica, não só nos próximos anos, mas nas próximas décadas”, diz o cientista José Afonso.

post it

Cristina Luís, investigadora do Departamento de História e Filosofia das Ciências e do Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (CIUHCT), é a responsável em Portugal pelo projeto “Citizen Science as the new paradigm for Science Communication (NEWSERA)”, coordenado por Rosa Arias, fundadora da Science for Change e que visa estudar como a ciência cidadã pode mudar o paradigma da comunicação da ciência.

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Entrevista com o cientista Carlos Cordeiro, que lidera o SAFE Coating, um projeto que tem a Biomimetx e o Hospital Curry Cabral como parceiros e que em seis meses procurará implementar uma tecnologia capaz de inativar o SARS-CoV-2 em superfícies, impedindo a sua viabilidade fora do hospedeiro humano e consequentemente, eliminando uma importante via de transmissão viral.

Lusovenator, a nova espécie pertence ao grupo dos carcharodontossáurios - dinossáurios carnívoros, alguns dos maiores predadores do planeta Terra. A sua descoberta mostra que estes dinossáurios estavam presentes no hemisfério norte 20 milhões de anos antes do que indicava o registo conhecido. O estudo foi liderado por Elisabete Malafaia, investigadora do IDL, polo da Ciências ULisboa.

O Roteiro Nacional de Infraestruturas de Investigação de Interesse Estratégico (RNIE) 2020 inclui 56 infraestruturas. Ciências ULisboa coordena a CoastNet, a PORTULAN CLARIN e a RNEM, integrando ainda outras sete infraestruturas.

A fase de implementação da Rede Portuguesa de Monitorização Costeira (CoastNet) terminou recentemente, segundo comunicado de imprensa emitido pela Faculdade recentemente. A apresentação pública da CoastNet coordenada por José Lino Costa, professor do Departamento de Biologia Animal da Ciências ULisboa, acontece a 7 de julho, num evento a decorrer por videoconferência.

O projeto MarCODE visa desenvolver uma ferramenta multidisciplinar para potenciar o rastreio e a rotulagem ecológica de espécies marinhas de interesse comercial, segundo comunicado de imprensa emitido pela Faculdade. O estudo iniciado este mês de julho deverá terminar daqui a três anos.

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