Reportagem sobre as comemorações do Dia Internacional da Matemática 2022

A Matemática une

Cinco oradores e vários alunos a assistir

A sessão inversa, última destas comemorações, foi marcada pelas inúmeras intervenções entusiásticas dos alunos

GJ Ciências ULisboa

A Matemática une. É mais do que uma simples frase… O tema das comemorações mundiais do Dia Internacional da Matemática (International Day of Mathematics - IDM) 2022 reflete o espírito de quem organiza atividades de divulgação científica, na Faculdade e fora dela, e também de quem participa.

Nesta reportagem fique a par das atividades do IDM, organizadas pelo Departamento de Matemática (DM) e conheça a opinião de estudantes e professores.

As Jornadas de Matemática em Ciências este ano associadas às comemorações do IDM ocorreram a 12 de março e foram  organizadas pelas professoras do DM, Catarina Santa-Clara e Isabel Ferreirim e por Maria Osório e Rafael Pereira, membros do Núcleo de Estudantes de Matemática e Matemática Aplicada (NEMMA) da Faculdade.

As Jornadas da Matemática em Ciências acontecem desde 2019 e têm como principal objetivo a partilha de experiência e conhecimento nas diversas áreas da Matemática, dando a conhecer o trabalho de pessoas e instituições nacionais e internacionais através de uma abordagem e interação com os alunos mais informal do que a utilizada em sala de aula.

Para Lourenço Entrudo, aluno do 2.º ano de Física, as Jornadas foram uma boa experiência pois “foram expostas algumas temáticas mais complicadas, mas de forma clara e divertida”.

Este ano as Jornadas contaram com a presença dos seguintes oradores convidados: Ana Cristina Barroso, professora do DM da Ciências ULisboa, Cristina Sernadas, professora no Instituto Superior Técnico, Paulo Almeida, professor na Universidade de Aveiro e Ana Rita Pires, professora na Universidade de Edinburgh, na Escócia.

Também os alunos da área da Matemática foram desafiados a expor sobre uma temática à sua escolha e participar como palestrantes, o que Catarina Santa-Clara e Isabel Ferreirim consideram ter sido “um dos pontos altos das Jornadas, tendo-se criado um ambiente de grande interesse e entusiasmo entre os colegas”. Participaram nesta edição os alunos Álvaro Maio, Gonçalo Freitas, Samuel Costa, Ana Catarina Monteiro, Francisco Bento, Guilherme Velez e Luís Baptista.

As professoras fazem um balanço “extremamente positivo” da iniciativa, que contou com cerca de 45 participantes, maioritariamente alunos da Faculdade.

Em novembro de 2019, o dia 14 de março, conhecido pelo Dia do Pi, foi proclamado pela UNESCO como o Dia Internacional da Matemática, momento a partir do qual as comemorações internacionais ganharam uma força redobrada. Eram várias as iniciativas que estavam previstas para assinalar pela primeira vez esta efeméride em 2020, mas devido à COVID-19 foram canceladas. Ainda assim, nesse ano, as comemorações sob a temática “A Matemática está em toda a parte” foram evocadas no site da Faculdade, dando destaque também ao projeto A História do Pi em Hipervídeo. No ano seguinte as celebrações online foram dedicadas ao tema “A Matemática para um Mundo Melhor”, destaque para a videoconferência “Modelos Matemáticos e Tomada de Decisões: Saúde, Clima e Economia”. Este ano, pela primeira vez foi possível celebrar esta data de forma presencial.

Ana Rute Domingos e Maria Manuel Torres, professoras do DM Ciências ULisboa, são as responsáveis pela organização do IDM na Faculdade, uma programação com sala esgotada em praticamente todas as atividades. Cerca de 110 estudantes dos 7.º, 8.º, 9.º e 12.º anos do Colégio São João de Brito, da Academia de Música de Santa Cecília e do Colégio de Santa Maria, em Lisboa, estiveram na Faculdade no Dia do Pi. A sessão "Matemática: razão e emoção" ocorrida a 16 de março juntou cerca de 50 participantes, na sua maioria alunos da Ciências ULisboa.

Porque é importante celebrar o Dia Internacional da Matemática?

“A Matemática é a disciplina que faz movimentar a sociedade atual, sem Matemática não vamos a lado nenhum. Precisamos da Matemática para tudo”, afirma Maria Manuel Torres, justificando as declarações com tarefas rotineiras, como usar o telemóvel ou comprar algo. E acrescenta: “a tecnologia precisa de Matemática e é importante que as pessoas percebam que, não é só uma disciplina escolar ou académica, é uma ferramenta para a nossa vida de todos os dias”.

 “A Matemática é uma linguagem comum a todas as ciências”, diz Ana Rute Domingos, que dinamiza atividades de divulgação científica em escolas básicas e secundárias há 14 anos. “A Matemática que nós trabalhamos não é a Matemática dada nas escolas, mas nós levamos para os miúdos e seus professores uma forma diferente de trabalhar na sala de aula”, comenta, acrescentando que os antigos alunos da Faculdade, que agora são professores de Matemática, conhecem o trabalho realizado na Faculdade, algo que também sucede com aqueles que frequentam as ações de formação para professores.

Alunos e professora
Patrícia Silva, professora de Matemática do 3.º ciclo do ensino secundário no Colégio São João de Brito, regressa ao campus da Faculdade sempre que tem oportunidade e faz questão de trazer os seus alunos
Fonte GICD Ciências ULisboa

Patrícia Silva, professora de Matemática do 3.º ciclo do ensino secundário no Colégio São João de Brito, é um desses exemplos. Regressa ao campus da Faculdade sempre que tem oportunidade e faz questão de trazer os seus alunos. A antiga aluna da Faculdade tem boas memórias e revela que mantém duas paixões: ensinar e Matemática.

 “Recebi um email da professora Ana Rute Domingos e tentei logo fazer a inscrição nas atividades do IDM da Faculdade”, diz Patrícia Silva, que considera este tipo de iniciativa muito importante, especialmente para os alunos mais jovens. “Estão noutro ambiente e veem a Matemática de outra forma, ficam entusiasmados por vir à Faculdade. Ouvem outra professora a explicar, com outras dinâmicas e contacto com outros mundos”, comenta.

No início do ano letivo, grande parte dos alunos de Patrícia Silva dinamizou atividades com os colegas mais novos no Clube de Matemática do Colégio. Patrícia Silva dá aulas de Matemática há cerca de 12 anos e não consegue lecionar apenas o programa, pois considera fundamental abrir horizontes e proporcionar outras atividades aos seus alunos. “Gosto muito do que faço e tenho alunos que me vão estimulando. Também tento motivá-los. Temos uma turma que tem um preconceito enorme com a Geometria, às vezes bloqueiam, mas através dos jogos matemáticos conseguem perceber e pensam: se eu sou bom aqui, então se calhar posso ser bom nas equações, na trigonometria...”, refere.

O Clube de Matemática C-infinito organiza diversas sessões de divulgação da Matemática abertas a todos os interessados, destaque para as Conversas finitas no C-infinito, ciclo de entrevistas com o objetivo de conhecer melhor os professores do DM Ciências ULisboa.

Ana Rute Domingos e Maria Manuel Torres contam que uma das suas missões é levar Ciências ULisboa para lá das portas da Faculdade e divulgar o trabalho que aqui se faz. Participar nas comemorações do Dia Internacional da Matemática é uma das formas de o fazer. Regulamente realizam também, e ao longo de todo o ano letivo, diversas palestras em escolas básicas e secundárias. “Nós fazemos isto porque adoramos, temos este entusiasmo, mas é preciso dar mais valor e reconhecimento a este papel de divulgação da faculdade”, diz Maria Manuel Torres.

“A Matemática é a disciplina que faz movimentar a sociedade atual, sem Matemática não vamos a lado nenhum. Precisamos da Matemática para tudo.” Maria Manuel Torres

Magia e aventura

Ana Rute Domingos dinamizou “Matemática e a Magia Acontece” com a colaboração de dois alunos de Matemática Aplicada da Faculdade. “Gosto que haja interatividade de modo a que todos se sintam incluídos e possam participar. Tenho sempre dois objetivos: mostrar que a Matemática tem este lado de entretenimento, como outras ‘coisas’ na vida que eles não estão à espera; e por outro lado passar-lhes algum conhecimento de Matemática. Pego sempre na Matemática que eles aprenderam, com essa Matemática consegue-se fazer ‘coisas’ fabulosas”, conta Ana Rute Domingos, que procura entusiasmar e surpreender os alunos.

alunos a receber cartas
Ana Rute Domingos dinamizou “Matemática e a Magia Acontece” com a colaboração de dois alunos de Matemática Aplicada
Fonte GICD Ciências ULisboa

“Além de fazer o truque da magia explico como é que as ‘coisas’ funcionam. O que tento transmitir é que para além do conceito matemático e de saber aplicá-lo, é muito importante perceber como é que as ‘coisas’ funcionam, porque a Matemática ensina para além dos conteúdos, dá ferramentas que permitem o raciocínio e que são úteis na resolução de outros problemas”, refere Ana Rute Domingos.

A Matemática implica um raciocínio muito estruturado e na sessão “Aventuras Matemáticas", igualmente dirigida por Ana Rute Domingos, os participantes analisaram vários casos e o feedback foi como costuma ser: magnífico. Ana Rute Domingos conta que no ensino da Matemática há duas formas de trabalhar: pode-se dizer e o mais provável é o outro esquecer, ou pode-se perguntar e o mais certo é o outro pensar. “É fundamental pôr as pessoas a pensar”, alerta.

Nesta segunda sessão interativa, a professora também contou com a colaboração de um aluno da Faculdade. Henrique Prates, estudante de Física a terminar o mestrado, gostou muito de a ajudar e de ver a Matemática desta forma divertida. “As ciências mais exatas são áreas mais difíceis de gostar, mas toda a ciência pode ser divertida se for ensinada da forma certa”, diz adiantando ainda que a atividade implicou muito envolvimento dos participantes. “Os miúdos estavam felizes a participar e a pensar, mesmo com problemas difíceis. Houve uma miúda que não estava a perceber o problema, mas assim que compreendeu chegou à resposta sozinha em 30 segundos. Isso é incrível de ver”, conclui.

João Bicho e Salvador Henriques, alunos do 7. º ano do Colégio São João de Brito, gostam muito de Matemática porque é divertida e há muito para explorar. Estiveram na Faculdade e participaram nestas sessões interativas explorando vários desafios. Contam que aprenderam muito sobre Matemática - “‘coisas’ muito interessantes e diversas” - e entendem esta data especial como um dia importante e uma boa iniciativa para desenvolver o gosto pela Matemática.

Laboratório Experimental de Geometria
“Estas atividades são mesmo importantes porque todos conseguem realizá-las. Une disciplinas, conceitos e pessoas”, diz Helena Afonso
Fonte GICD Ciências ULisboa

Matemática, Geometria e Azulejaria

Leonor Cândido e Beatriz Osório, estudantes do 8.º ano do Colégio São João de Brito, participaram pela primeira vez na sessão “Com um simples azulejo…”, uma atividade integrada no Projeto de Geometria Intuitiva e Interativa da Faculdade, coordenado pela professora Suzana Nápoles e financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian. É a primeira vez que visitam a Faculdade e dizem estar a gostar. Esta atividade decorreu no Laboratório Experimental de Geometria, sediado no edifício C6, e foi dinamizada por Helena Afonso, antiga aluna da Faculdade, atualmente coordenadora do Núcleo de Apoio Administrativo do C6.

Para as jovens que gostam de Matemática, esta atividade além de ser divertida permite aprender de forma diferente e mais interessante. “Estamos a fazer ‘coisas’ práticas em vez de ser tudo teórico”, dizem.

alunos a desenhar padrões de azulejo
“Com um simples azulejo…” integra o Projeto de Geometria Intuitiva e Interativa
Fonte GICD Ciências ULisboa

“Com um simples azulejo…” existe há mais de dez anos e normalmente é uma das iniciativas da Feira da Matemática do Museu Nacional de História Natural e da Ciência. Muitas escolas inscrevem-se nesta atividade, que ficou suspensa durante a pandemia.

O professor Jorge Resende começou a estudar este tipo de atividade por influência do escultor português Eduardo Nery, que criou um azulejo com duas particularidades: um eixo de simetria e continuidade de cor. Com este tipo de azulejo é possível criar dezenas de padrões diferentes, o mote ideal para os alunos perceberem que a Matemática e a Geometria estão relacionadas com a azulejaria.

Helena Afonso terminou o curso de Matemática em 2006. Em maio de 2015 regressou à Faculdade precisamente para realizar este tipo de sessões de divulgação científica. “Estas atividades são mesmo importantes porque todos conseguem realizá-las. Une disciplinas, conceitos e pessoas”, diz acrescentando que o objetivo é desmistificar a ciência de forma lúdica e mostrar que a Faculdade tem muitas causas.

O poder da pegada

computador e alunos
Na opinião de Maria Manuel Torres o tema da pegada ecológica e da sustentabilidade é o problema mais importante que a humanidade tem para resolver, sendo que a Matemática pode ajudar e faz parte da solução
Fonte GICD Ciências ULisboa

O Dia do Pi terminou com a palestra “Pegada Ecológica, Clima e Matemática”, proferida por Maria Manuel Torres, que nessa manhã já havia estado no Liceu Camões a falar sobre “A Matemática da Sustentabilidade” para três turmas de 12.º ano, cerca de 100 participantes.

Na opinião de Maria Manuel Torres o tema da pegada ecológica e da sustentabilidade é o problema mais importante que a humanidade tem para resolver, sendo que a Matemática pode ajudar e faz parte da solução.

“Nós temos que quantificar as nossas atitudes no dia-a-dia. Cada um de nós, no seu pequeno mundo e na sua existência, pode fazer a diferença. Uma pequena coisa multiplicada por sete mil milhões, acaba por ter impacto”, reflete Maria Manuel Torres, que tem trabalhado este tema junto dos mais jovens para que percebam que é mesmo importante. “Não temos que estar ansiosos ou stressados, mas isto tem que fazer parte dos nossos hábitos. A poupança da água e da luz tem que se tornar um hábito automático. A faculdade tem o papel de chamar a atenção deste tema”, alerta.

Durante a sessão os alunos calcularam a pegada ecológica, que se mede em planetas. Maria Manuel Torres espera ter despertado alguma consciência com o poder dos números. “Se tiver ficado uma pequena vontade de alterar hábitos para serem mais ecológicos já é bom”, salienta.

Tanto Ana Rute Domingos, como Maria Manuel Torres receberam telefonemas de alunos das escolas visitantes a agradecer as sessões, o que é muito recompensador e representativo do entusiasmo dos alunos.

Razão e emoção

No último dia das comemorações do IDM na Faculdade decorreu "Matemática: razão e emoção", uma sessão inversa na qual os temas foram lançados pelos oradores de forma breve, e a palavra foi dada à audiência, que a utilizou durante a maior parte do tempo.

A atividade começou e terminou ao som de violinos, como forma de lembrar que a música, tal como a Matemática, é uma linguagem universal, comummente compreendida por todos, com fórmulas e pautas iguais em qualquer canto do mundo. Ambas são linguagens que nos unem. Na Matemática, e especificamente na Ciências ULisboa, esta união é notável, uma vez que a Matemática é transversal a todos os cursos da Faculdade. Este, aliado à necessidade de falar sobre a Matemática e sobre tudo aquilo que o seu estudo envolve, foi, aliás, o mote desencadeador deste encontro, contam Ana Rute Domingos e Maria Manuel Torres.

Trazer as escolas à Faculdade é muito importante porque contactam com o meio académico. No próximo dia 4 de maio acontece o Dia Aberto em Ciências. O DM, tal como os restantes Departamentos da Faculdade, participa na iniciativa que este ano volta a ser presencial. Visitar a Faculdade é importante porque os alunos ficam a conhecer o espaço, as pessoas e o ambiente. A ideia é que registem memórias do que aqui se faz.

As professoras asseguram a importância desta sessão, afirmando que “os alunos de Matemática sentem um grande embate com a disciplina pois o 1.º semestre é sempre muito complicado e eles precisam de saber que não estão sozinhos, que têm uma voz”. Participaram nesta sessão alunos de Matemática e Matemática Aplicada, mas também alguns alunos de Física e Engenharia Física.

A sessão teve como oradores Jorge Buescu, professor do DM e vice-presidente da European Mathematical Society; Orlando Neto, geómetra e professor do DM, e Inês Rodrigues, alumna doutorada em Matemática pela Ciências ULisboa, tendo como moderadoras Ana Rute Domingos e Maria Manuel Torres.

"Matemática: razão e emoção" foi então o ponto de partida para esta conversa. Jorge Buescu iniciou a sessão afirmando que estudar Matemática é uma “montanha russa de emoções”. Na sua opinião, as sensações são fortes e violentas e passam pelo desespero e a frustração - emoções naturais e que fazem parte do processo. “Chega um momento em que tudo se encaixa e faz sentido, e sentimos uma epifania! A sensação é comparável ao momento em que nos apaixonamos, porque em ambas as situações deixamos de sentir o tempo e o espaço”, conclui.

“Chega um momento em que tudo se encaixa e faz sentido, e sentimos uma epifania! A sensação é comparável ao momento em que nos apaixonamos, porque em ambas as situações deixamos de sentir o tempo e o espaço.” Jorge Buescu

Inês Rodrigues partilhou a sua experiência enquanto doutoranda, e conta que acordava muitas vezes de súbito durante a noite, com as tais epifanias, e ia resolver os problemas que tinha em mãos. Para a antiga aluna da Faculdade, a ansiedade sentida nesse momento é ampliada pelo facto de que, na Matemática, não se parte de uma hipótese, ao contrário do que acontece com outras ciências. No entanto, durante o processo, há um aspeto que pode servir de consolo, diz Inês Rodrigues. Enquanto nas restantes áreas científicas as hipóteses podem ser refutadas, em princípio na Matemática isso não acontece.

As intervenções iniciais terminaram com Orlando Neto, que apresentou uma perspetiva histórica da Matemática e comparou a solução de problemas à sensação de estar debaixo de água – em apneia, para além de saber nadar é preciso aprender a técnica de controlo da respiração. Para o professor, na Matemática é essencial saber superar os problemas: “atacá-los” e lidar com as frustrações que todo o processo envolve. Orlando Neto introduziu ainda uma outra questão importante: “Eu já não escrevo artigos científicos sozinho!”. De facto, o processo da solidão é um dos principais problemas que Ana Rute Domingos e Maria Manuel Torres identificam no estudo da Matemática. O sentimento de solidão entre os alunos acentuou-se ainda mais com o longo período de isolamento vivido até há bem pouco tempo.

3 pessoas a tocar violino
A atividade começou e terminou ao som de violinos, como forma de lembrar que a música, tal como a Matemática, é uma linguagem universal
Fonte GJ Ciências ULisboa

Em conversa posterior à sessão, as professoras explicam que trabalhar sozinho em Matemática é muito duro, e por isso estudar em conjunto é importante. “Muitas vezes os alunos aprendem melhor com as explicações dos colegas porque há uma proximidade na forma de pensar e sentem-se mais motivados com os seus pares”, declaram. Ana Rute Domingos conta que quando era aluna também passou pelo processo da solidão, daí entender que sessões como esta, que colocam os alunos a falar uns com os outros são muito importantes. Maria Manuel Torres também partilha a sua experiência de estudo em Itália – preparava-se para os exames orais, estudando em grupo.

A abordagem descontraída dos oradores tornou a sessão muito interativa e divertida, de tal forma que vários alunos pediram a palavra e partilharam também as suas experiências, opiniões e inquietações, numa discussão abrangendo diversas temáticas. Para além das emoções, debateram-se várias ideias sobre as motivações dos matemáticos, a ética e os limites do estudo da Matemática, e até a política de ensino nesta área do conhecimento.

Apesar de todas as dificuldades partilhadas, o principal sentimento em foco foi a paixão pela disciplina, manifestada com entusiasmo pelos alunos. Para muitos, este deslumbramento nasceu numa aula do ensino básico, com um professor de Matemática que “plantou o bichinho” e fez ver a beleza desta área de estudo.

Caetano Ramos, aluno do 1.º ano de Física e participante nesta sessão inversa, conta que acha “muito interessante este tipo de debate” pois foram tratados assuntos sobre as quais pensa constantemente. “Achei excelente, gostei muito da discussão e do ambiente, só queria que tivesse tido mais uma hora, que todos tínhamos mais a dizer!”, expressa entusiasmado.

Para Jorge Buescu, “esta sessão foi interessantíssima, sobretudo pelo facto de termos passado a ‘bola’ aos alunos, com aquela frescura da juventude, que não estamos habituados a ouvir, soltaram-se e foi muito bom desse ponto de vista”.

A sessão durou cerca de duas horas e para Maria Manuel Torres “abriu-se uma janela”. A professora conta que se sentiu emocionada pelo facto dos alunos presentes quererem continuar a falar. Terminada a sessão até foram jantar com eles! A professora defende que a relação de proximidade que estabelecem com os alunos é um fator muito importante para a motivação. “Antes de sermos cientistas ou matemáticos somos pessoas, e falamos para pessoas, estamos a formar pessoas”, complementa Ana Rute Domingos, enfatizando a importância de trabalhar o lado humano com os alunos.

plano geral da sala
Jorge Buescu, Orlando Neto e Inês Rodrigues foram os convidados da sessão moderada por Ana Rute Domingos e Maria Manuel Torres
Fonte GJ Ciências ULisboa

“Antes de sermos cientistas ou matemáticos, somos pessoas, e falamos para pessoas, estamos a formar pessoas.” Ana Rute Domingos

De forma geral, a Matemática é vista como um “bicho papão”, comenta Ana Rute Domingos, cujo estudo gera mau estar, stress e frustração para a maior parte das pessoas. Essa ideia deve ser desmontada, e é importante que o seja logo nos primeiros anos de escolaridade, com histórias infantis que envolvam Matemática, por exemplo. Como atividade humana essencial para resolver os problemas da vida diária - os modelos matemáticos têm sido importantes na resposta à pandemia, por exemplo -, é fundamental que as pessoas tenham uma relação saudável com a disciplina, lidando com ela sem receios. Para Ana Rute Domingos escolher “a área das letras” como forma de “fugir” à Matemática é um dos erros mais comuns, que advém desta forma incorreta de encarar a área de estudo.

As organizadoras do IDM na Faculdade dizem ainda que a divulgação da Matemática implica maior esforço do que a divulgação das ciências experimentais e avançam uma possível explicação: nas ciências experimentais os objetos de estudo são palpáveis e concretos, enquanto que a Matemática traduz os fenómenos da natureza através de conceitos, objetos e ideias abstratas.

“É nas escolas, sobretudo no ensino básico que se decide tudo, e estas dinâmicas de transmissão do entusiasmo à volta do Dia do Pi e da Matemática (seja com palestras ou com bolos!) são ótimas pois servem como desbloqueadoras, sobretudo nos mais novos”, conta Jorge Buescu, que estudou em Inglaterra e onde há 20 ou 30 anos não se fazia divulgação da Matemática. Era inclusivamente uma atividade pouco apreciada, para não dizer mal vista… Felizmente o mundo mudou radicalmente desde então.

A vontade de todos é continuar a promover mais sessões como esta no futuro, envolvendo cada vez mais alunos de outras áreas científicas.

“Acho que foi fantástico, a forma como as escolas vieram, o que levaram de cá… e terminámos com chave de ouro – trabalhámos ‘coisas’ que ainda não tinham sido trabalhadas aqui, lançámos a semente e agora vamos pôr adubo e deixar que o Sol faça o resto.” Ana Rute Domingos

Marta Tavares e Ana Subtil Simões, GJ Ciências ULisboa
info.ciencias@ciencias.ulisboa.pt
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