Isaac Carrêlo e Rita Almeida, alunos do curso de Engenharia da Energia e do Ambiente e Eva Barrocas, aluna do curso de Biologia, embarcaram em 2012 na enriquecedora aventura do voluntariado. Durante cerca de um mês, os três fculianos aceitaram o desafio da Turtle Foundation e protegeram tartarugas marinhas na ilha da Boavista, em Cabo Verde. A organização opera em projetos de proteção e conservação das tartarugas marinhas em Cabo Verde e ainda na Indonésia.
“Tivemos a oportunidade de ir a uma igreja nazarena e eles não têm nada, são pobres e estavam tão alegres que tornavam a cerimónia numa festa espetacular. Deu-nos uma força imensa, pensei: vou para Portugal e não me vou queixar mais, não faz sentido queixar-me”
Isaac Carrêlo
Em Cabo verde, a equipa da Turtle Foundation conta com a ajuda de militares e voluntários locais e internacionais na missão de impedir que tartarugas sejam capturadas, convergem esforços para educar e sensibilizar ambientalmente os jovens e as comunidades da ilha para esta questão, nomeadamente procurarem fontes alternativas de rendimento. Com quatro anos de intervenção na ilha da Boavista, já há provas dadas quanto à pertinência da sua atuação – “Em 2007, mais de 600 tartarugas foram mortas só na praia de Porto Ferreire. Este número baixou para 60 em 2008, representando uma redução de 90% na mortalidade”, lê-se no portal da organização.
“Na ilha de Santiago, que vive muito do comércio, disseram-nos: os portugueses não têm dinheiro mas têm coração”
Rita Almeida
Eva, Isaac e Rita contribuíram para as estatísticas positivas, protegendo diariamente estas espécies em patrulhas noturnas pela praia, organizadas em turnos de quatro horas, na companhia de outros voluntários, líder, vice-líder e um militar local que lhes conferia proteção.“Quando encontrávamos uma tartaruga tínhamos de esperar que ela saísse do mar, depois que fizesse o ninho, colocasse os ovos, tapasse tudo e voltasse ao mar e só aí poderíamos seguir o caminho, sendo que poderíamos encontrá-las em qualquer uma destas fases”, conta Rita Almeida. Para Eva Barrocas, “ter a oportunidade de assistir a uma desova é algo que nos faz sentir em sintonia com a terra”.
Durante a estadia no acampamento da Boa Esperança, várias foram as descobertas e peripécias vividas e dificuldades ultrapassadas, já que a realidade deste arquipélago localizado ao largo da costa da África Ocidental é bastante diferente daquela a que os voluntários fculianos estavam habituados. “A comida era à base de arroz, batata, cenoura e feijão. Uma vez por semana, havia carne. Infelizmente, os cidadãos locais e os soldados não eram grandes pescadores então não comíamos muito peixe e como eramos muitos, quando havia era divido por 25/26 pessoas”, diz Isaac Carrêlo.
"A Turtle Foundation é uma organização crucial para assegurar o futuro das populações de Carreta Carreta"
Eva Barrocas
Mas foram situações como esta que, segundo os protagonistas desta história, os fizeram crescer e dar valor aos pormenores que por vezes são esquecidos: “a oportunidade de ir a áfrica e contactar diretamente com as populações permitiu-nos ter uma maior consciência de que às vezes nos queixamos do muito que temos e eles, que passam por diversas dificuldades como andar descalços ou vestir a mesma roupa todos os dias, dão realmente valor às coisas. Esse foi o maior ensinamento! (…) Levei comigo uma t-shirt que não valia nada, para mim. Um miúdo olhou para ela e disse: que t-shirt tão engraçada! Perguntei-lhe se a queria e a resposta ‘sim’ foi imediata”.
Interessados em partilhar com a ilha que tão bem os acolheu aquela que é “a sua praia”, Isaac e Rita aproveitaram o evento “Escola Natureza”, que reúne crianças e jovens locais entre os 12 e os 18 anos, com o intuito de os sensibilizar para as questões ambientais, transmitindo os ensinamentos do seu curso (Engenharia da Energia e do Ambiente), através de uma apresentação e workshop de carrinhos solares.
“Temos que agradecer imenso a um colega aqui da FCUL, o Egas, cabo-verdiano do nosso curso. Falámos com ele e ele deu-nos o contacto de um tio que vivia em Santiago e que nos ajudou desde que chegámos ao aeroporto”
Isaac Carrêlo e Rita Almeida
“Perguntámos à organização se poderíamos fazer uma apresentação e workshop de carrinhos solares. Pertencemos a um grupo na FCUL que se chama “Energia nas Escolas”, já realizamos este tipo de atividades e tínhamos feito a cadeira de 3.º ano de Energias Renováveis, que contribuiu bastante para termos maior conhecimento sobre o assunto”, explica Isaac Carrêlo.
Ainda que com alguns percalços, já que o sol destinado a dar vida aos carrinhos solares falhou no início do dia, a atividade revelou-se bastante produtiva para as crianças. “Foi uma grande euforia, todos queriam participar! Demos-lhes as bases e, depois, foi um trabalho exclusivo deles, de tentar construir o seu carrinho com o material que tinham. Um lembrou-se de ir buscar um pacote de sumo que tinha bebido ao almoço, outro o pacote de leite. A necessidade faz com que eles sejam muito desenrascados”, relatam os jovens.
Para os dois voluntários, este foi um dos momentos mais ricos da sua passagem pela ilha. “A parte que mais me emocionou, depois disto tudo, foi dizerem que gostavam de um dia ser como nós. Isso foi espetacular, muito gratificante!”, acrescentou, entre sorrisos, Rita Almeida.
“A nossa equipa é agora formada por um grande grupo de soldados cabo-verdianos, militares locais, voluntários nacionais e internacionais, coordenadores e cientistas (50 voluntários e 20 colaboradores locais”,
Eva Jarolim, voluntária e coordenadora turística da Turtle Foundation
Todos os anos, a Turtle Foundation recebe voluntários de vários cantos do mundo, sendo que Portugal faz parte dos países que mais ajudam o projeto. Tal como referiu Eva Jorolim, voluntária e coordenadora de turismo da organização, “portugueses, alemães e ingleses são as nacionalidades mais representadas no projeto. Na época passada, por exemplo, houve nove voluntários portugueses de um total de 69. Ficamos muito felizes por ter, todos os anos, equipas mistas com participantes de várias partes do mundo”.
Em 2012 foi a vez dos voluntários "fculianos" fazerem parte desta realidade, contactando com outras culturas, línguas, hábitos e costumes.
"Eramos cerca de 25 voluntários. Havia representantes de Portugal, Alemanha, Lichtenstein, Espanha, Inglaterra, Escócia, Senegal, África do Sul, de várias idades. Encontrámos, inclusive, uma senhora de 40 e poucos anos que decidiu tirar 10 anos da sua vida para passear, viajar e conhecer o mundo”, reforça Rita Almeida.
Para lá do objetivo comum a todos, proteger espécies em risco, as relações humanas tornaram-se uma fonte de energia para levar a missão avante. Isaac e Rita, encontraram entre os nativos, João da Luz, um jovem de 20 anos que os surpreendeu pela sua força de vontade e forma de pensar. João ou Noel, nome de família, distinguiu-se dos demais por defender ideais e princípios diferentes dos seguidos pela população local, como sendo a poligamia ou o abandono dos estudos. Como objetivos para um futuro próximo, traça a ida para Portugal a fim de continuar os estudos em Direito que não conseguiu terminar no seu país, por não ter dinheiro.
"Ensinei-lhe alguns truques de magia que sei mas que nunca ensino a ninguém. Ele foi a única pessoa que não ficou a olhar para mim a dizer constantemente: “tens que me ensinar, tens que me ensinar!”. Ficava a assistir e era aquela pessoa que caía sempre nos truques não querendo perceber o que estava a fazer, envolvia-se”, conta saudoso, o voluntário.
“As refeições eram sempre em grupo e era um momento de partilha entre toda a equipa”
Eva Barrocas
Tal como este amigo que não lhes exigia explicação para os truques, talvez porque a única magia fosse essa mesmo, a de viver as relações humanas, sem explicações, estes voluntários trouxeram para Portugal a vontade de um dia regressar a Cabo Verde para construir um futuro profissional que pode até nem passar por uma promessa financeira, mas sim pela tal magia de ajudar esta comunidade a evoluir: “Há muita gente a querer emigrar para a Europa, nomeadamente para a Alemanha, nós estamos mais virados para África por sentirmos que lá ainda há coisas por fazer. Não queremos ir para enriquecer a nível financeiro mas sim a nível pessoal”, confessam.
Depois do trabalho dos voluntários ter feito a diferença em Cabo Verde, esta é, certamente, uma experiência frutuosa, singular e quem sabe a repetir…