No âmbito deste projeto, financiado pela FCT, foram identificados 32 fármacos utilizados em medicina humana e veterinária na água do estuário do Tejo
O projeto Biopharma inclui uma vertente de avaliação ambiental que passa pela identificação e quantificação de resíduos na água e em organismos estuarinos, como é o caso dos peixes ou bivalves.
Os cientistas pretendem avaliar os efeitos de exposição a diferentes compostos, como é o caso de antidepressivos ou anti-inflamatórios, dando particular ênfase às espécies de peixe com interesse comercial.
Para Vanessa F. Fonseca “este tópico de investigação é muito recente, o que significa que há uma grande lacuna de informação base, e isso é simultaneamente aliciante e a maior dificuldade – acrescentando que - sem conhecimento empírico prévio, o planeamento amostral e experimental é essencialmente um exercício conceptual”.
A bióloga exemplifica: se os compostos mais vendidos forem os que estão presentes em maior quantidade no meio aquático, há processos de degradação ambiental e de tratamento das águas residuais que podem influenciar; se os alvos terapêuticos são conservados ao longo da evolução das espécies, os efeitos são semelhantes, pelo menos entre vertebrados, no entanto, perante a variabilidade biológica e ecológica não é possível restringir a análise apenas aos efeitos expectáveis.
Vanessa F. Fonseca, investigadora do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE-ULisboa), doutorada em Biologia Marinha e Aquacultura por Ciências ULisboa, coordena o projeto Biopharma, que deverá terminar em 2019.
O principal objetivo do Biopharma, iniciado em 2016, é avaliar os efeitos da exposição a fármacos em organismos estuarinos. No âmbito deste projeto, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, foram identificados 32 fármacos utilizados em medicina humana e veterinária na água do estuário do Tejo.
A equipa do Biopharma integra professores e investigadores de Ciências ULisboa e do MARE-ULisboa, assim como da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra e do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária.
A presença de compostos - resíduos de antibióticos, anti-hipertensivos, betabloqueadores, anti-inflamatórios, antidepressivos, reguladores lipídicos e antiepiléticos - resulta do uso e consequente libertação contínua destes produtos nas águas residuais.
De acordo com o comunicado de imprensa emitido pela Faculdade esta quarta-feira, embora a presença de compostos tenha sido revelada ao longo de todo o estuário, as maiores concentrações de fármacos foram observadas em áreas próximas da saída dos efluentes de tratamento de águas residuais, na margem norte da área metropolitana de Lisboa e na zona sul do estuário, próxima do município de Almada e da embocadura do Tejo.
Estas conclusões são apresentadas no estudo “Screening of human and veterinary pharmaceuticals in estuarine waters: A baseline assessment for the Tejo estuary” da autoria de Patrick Reis-Santos, Miguel Pais, Bernardo Duarte, Isabel Caçador, Andreia Freitas, Ana S. Vila Pouca, Jorge Barbosa, Sara Leston, João Rosa, Fernando Ramos, Henrique N. Cabral, Bronwyn M. Gillanders e Vanessa F. Fonseca. O artigo está disponível online na Science Direct e será publicado na edição de outubro da Marine Pollution Bulletin.
O grupo do Bipharma é multidisciplinar: integra biólogos e químicos com experiência variada em áreas como Ecologia Estuarina, a Ecotoxicologia, a Fisiologia Animal, Modelação e Química Ambiental.
O próximo passo da equipa passa por determinar a presença de resíduos farmacêuticos em organismos estuarinos, nomeadamente plantas, crustáceos, bivalves e peixes; e avaliar o potencial de acumulação dos mesmos ao longo da teia trófica.
“Pretende-se quantificar fármacos em organismos estuarinos e determinar se a dieta é uma via importante de contaminação, o que também é relevante para a saúde humana tendo em conta o consumo humano de algumas destas espécies”, conta Vanessa F. Fonseca.
As recentes diretivas europeias reconhecem o potencial risco ecológico e a necessidade de monitorizar a presença e os efeitos de exposição a fármacos no ambiente aquático, assim como a dificuldade em estabelecer limites de segurança ambiental face à falta de informação, à diversidade de compostos e à importância da utilização destes compostos na medicina humana e veterinária.
Por isso mesmo, a coordenadora do Biopharma refere que “é fundamental consolidar informação onde se enquadram os resultados deste projeto e contribuir para uma gestão eficiente, que deverá passar pela definição de prioridades de monitorização dos compostos de maior risco, bem como o envolvimento da sociedade para um consumo moderado de medicamentos e o correto encaminhamento dos mesmos quando já não são necessários”.
“Tem sido uma experiência de colaboração e aprendizagem muito interessante.”
Vanessa F. Fonseca