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Inteligência Artificial: a ciência está a mudar. E os cientistas também

Logotipo do 24º Encontro dos Caminhos para a Complexidade

O 24º Encontro dos Caminhos para a Complexidade realizou-se na Arrábida

A Inteligência Artificial (IA) ajuda a escolher filmes e músicas, faz cálculos e traduções, e até pode ajudar a desenvolver milhões de moléculas que antes não existiam, mas há algo que ainda não faz com total propriedade: “A IA tem sido usada para testar as áreas que já são conhecidas e muito raramente é testada para lidar com o desconhecido”, esclarece Cátia Pesquita, professora Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (CIÊNCIAS) e investigadora do laboratório LASIGE. O diagnóstico não podia ser mais certeiro. À volta da especialista em IA estão vários cientistas convidados para participar na 24ª edição do Encontro dos Caminhos da Complexidade, que teve lugar na Serra da Arrábida, Setúbal, entre quarta e sexta-feira. Já ninguém duvida de que a ciência está em vias de mudar. E o ofício de cientista também.

“É um assunto que, naturalmente, está na linha da frente e, com este evento, tentámos agregar pessoas de diferentes valências, para cada uma dar a conhecer as expectativas que tem para esta área”, comenta Rui Malhó, professor de CIÊNCIAS e organizador do 24º Encontro dos Caminhos da Complexidade.

Foi da Ciência que veio a IA, e agora é a vez de a IA mudar a Ciência. Na comunidade científica, há mesmo quem tenha avançado com a ideia da criação do Nobel Touring Challenge, na esperança de chegar o dia em que um punhado de algoritmos e processadores produz uma inovação científica tão estrondosa que haverá de ser distinguida com prémios equivalentes aos que a Real Academia das Ciências da Suécia atribuiu a humanos em todos os anos anteriores.

Rui Malhó e Cátia Pesquita, investigadores de CIÊNCIAS
Rui Malhó e Cátia Pesquita durante o 24º Encontro dos Caminhos da Complexidade

Entre quem assistiu à preleção de Cátia Pesquita sobre o potencial das máquinas, há quem lembre que a IA já teve grande fatia de protagonismo nos Nobel da Química e da Física de 2024, mas sob a forma do desenvolvimento de ferramentas ou, precisamente, como ferramenta pronta a ajudar a produzir descobertas científicas. Em paralelo, começam a surgir as primeiras experiências que revelam potencial retroativo, com a aplicação de algoritmos em agregados de dados científicos que já tinham sido trabalhados anos antes pelos humanos e acabaram por revelar pistas e resultados que nem os humanos mais qualificados tinham alcançado. De súbito, a revisão de verdades científicas de décadas ou séculos pode ter ficado à distância de uma instrução para o computador. “A ciência pressupõe a alteração constante do conhecimento científico e muitas vezes produz conflitos”, recorda Pesquita.

Benefícios e ameaças

Passar o conhecimento para as mãos da IA tem benefícios inegáveis, mas também abre portas a abusos, como o viés que vem dos repositórios de dados que não refletem a realidade, ou que apresentam resultados em que tudo corre bem e, mais uma vez, deixam de fora o que ainda não foi estudado. A cristalização do intelecto humano e a dependência de um oligopólio de cinco ou seis marcas que fornecem IA é outro dos riscos. Cátia Pesquita lembra que fazer ciência sem os humanos “não é ciência” e arrisca-se a ser apenas uma “acumulação de factos”.

Perante o cenário descrito, logo irrompe o velho tema da IA que produz resultados que não consegue explicar. Daí aos custos energéticos vai apenas um passo. “Neste momento, estima-se o consumo de energia da IA já está ao nível do da aviação e transitários. Obviamente, que é um sector que não pode ser desprezado”, analisa Tiago Capela Lourenço, investigador do Centro para a Ecologia, Evolução, e Alterações Ambientais (Ce3C).

Os números que Capela Lourenço traz para o Encontro dão que pensar: uma pesquisa com um assistente digital que dá respostas escritas ou faladas pode consumir três ou quatro vezes mais energia que as tradicionais pesquisas com o Google ou o Bing. Por ano, este consumo poderá crescer a uma média de 10% até 2030. No início da próxima década, serão necessários 85 a 90 GigaWatts de nova capacidade de produção de energia nuclear para satisfazer as necessidades energéticas da IA no mundo – mas pela evolução atual há quem admita que menos de 10% dessas necessidades sejam correspondidas.

Para ilustrar a pressão energética, o investigador do Ce3C destaca ainda o caso de uma central elétrica a carvão do Texas que acabou por não ser desativada para poder continuar a operar durante mais cinco anos, devido às necessidades das comunidades locais. “A partir do momento em que todos passarmos a usar IA, os consumos de energia e as emissões de CO2 vão ultrapassar os consumos que eram exigidos para o treino e que inicialmente eram tidos como os mais onerosos”, avisa o investigador do Ce3C.

“Eventualmente, se o consumo se tornar incomportável, poderá haver iniciativas de restrição de uso da IA para alguns utilizadores”, acrescenta. “Mas as soluções também podem passar pela otimização de modelos de IA e a localização de infraestruturas e chips”.

Nos dias que correm, ninguém se pode dar ao luxo de abdicar do potencial de computação enquanto recurso universal, mas esse requisito também pode gerar, em certos cenários, um labirinto conceptual – mais que não seja porque para correr os modelos de IA que podem prever o clima do futuro os cientistas obrigatoriamente terão contribuir com a sua quota parte para o aumento de CO2 e consumo de energia quando põem os servidores a correr cálculos e algoritmos que depois apresentam previsões.

André Falcão, professor de CIÊNCIAS, recordou os estudos em que a Inteligência Artificial superou cientistas na deteção de falhas
André Falcão, investigador de CIÊNCIAS, recordou um estudo que demonstrou que a Inteligência Artificial pode superar peritos na deteção de falhas e erros

 

Perante tamanha inevitabilidade há quem recorde que a agilidade de processos compensa. Rui Malhó dá como exemplo os processos de fenotipagem, que recorrem à IA para apurar características genéticas de frutos ou vegetais: “Podemos pedir à IA para nos indicar um tomate que apodrece mais lentamente, mas por outro lado, temos de ter em conta que, ao alterar esse tipo de características, podemos estar a produzir impactos que levam a desenvolver um tomate que, eventualmente, precisa de mais água, que é mais suscetível a pragas, ou que tem menos gosto”. E é toda essa complexidade que a IA ajuda a desmontar mais rapidamente. “Com a IA, podemos fazer previsões imediatas para testes de campo que chegam a demorar 10 anos”, refere o professor de CIÊNCIAS.

Dados que produzem mais dados

Sem dados não há IA que consiga fazer previsões, por muito bons que sejam os computadores ou os algoritmos. E de algum modo é esse requisito que tem vindo a desmentir as previsões mais pessimistas que revelavam que as simulações estão em vias de mandar para o desemprego cientistas que fazem ensaios laboratoriais de química. Paulo Costa, investigador do BioISI, diz que é tempo de os cientistas reclamarem o seu lugar na sociedade. “Estamos no mundo da IA, mas para que tudo isso seja possível, precisamos de pessoas que vão fazendo as medições (nos ensaios de laboratórios)”, refere.

A IA ainda não faz ensaios, mas pode muito bem simulá-los. E é nesse ponto que surgem os primeiros sinais de alerta para quem encara a IA como uma entidade omnisciente à prova de falha. “Para simular o comportamento das várias partículas numa gota de água durante um milésimo de segundo precisaríamos de 10 vezes mais dados que todo o Facebook e todo o tempo do universo”, responde Nuno Araújo, investigador do Centro de Física Teórica e Computacional (CFTC). “Os modelos de IA são versões simplificadas da realidade. Não há um modelo que consiga simular a Natureza por inteiro!”, sublinha.

Pelas palavras do investigador do CFTC, que atualmente lidera o Departamento de Física de CIÊNCIAS fica a ideia de que o desemprego dos cientistas pode não ser mais que uma notícia manifestamente exagerada, e Marília Antunes, líder do Centro de Estatística e Aplicações da Universidade de Lisboa (CEAUL), também não destoa dessa tese: “A IA não nos retira a responsabilidade de pensar de forma crítica, nomeadamente no planeamento (das diferentes atividades científicas)”, refere a professora de CIÊNCIAS. Possivelmente, o dia-a-dia do cientista poderá mudar, mas “a validação de resultados (científicos) tem de passar sempre por um pensamento crítico e estatístico”, reitera especialista em estatística.

André Falcão, investigador do BioISI, parece bem menos convencido do carácter insubstituível dos cientistas de carne e osso. “Estamos a ser ultrapassados rapidamente”, começa por alertar o especialista em informática. “O nosso conhecimento como peritos arrisca-se a não valer muito dentro de algum tempo”.

Paulo Costa e Nuno Araújo, investigadores de CIÊNCIAS
Paulo Costa e Nuno Araújo, investigadores de CIÊNCIAS, apontaram alguns dos caminhos que a investigação científica pode tomar com  ajuda dos algoritmos

Para ilustrar a projeção menos otimista, que de algum modo contraria as teses de outros participantes no Encontro, André Falcão recorre aos resultados de um ensaio que colocou vários especialistas perante um primeiro conjunto de resumos de artigos científicos corretos e inalterados, e um segundo conjunto de resumos de artigos forjados, com conclusões erróneas. No final, apurou-se que os modelos de IA que interpretavam toda aquela informação bateram os peritos humanos a detetar falhas e incongruências dos artigos forjados.

A evolução está longe de ser uniforme, como revela um dos exemplos apresentados por André Falcão. Apesar de lidar de forma ágil com grandes repositórios de dados e interações, o poderio da IA está longe de ter adoção generalizada pelas grandes farmacêuticas na hora de desenhar novos medicamentos. O que permite deduzir que, apesar de ultrapassados em certas áreas do conhecimento, os cientistas vão continuar a ser precisos para todo aquele trabalho que as máquinas não sabem ou não podem fazer. Mais uma vez, não há consenso com Paulo Costa, que acredita que será “uma questão de tempo” para os primeiros medicamentos desenhados por IA chegarem ao circuito comercial.

Qualquer que seja o caminho tomado pela IA no futuro, a capacidade de computação será determinante. E mais uma vez, cabe a André Falcão o ónus do aviso menos animador para países como Portugal: “estamos a entrar num jogo para o qual não temos recursos. Em contrapartida, as grandes marcas tecnológicas têm grandes volumes de investimento (em poder computacional). O que significa que nos arriscamos a competir na liga dos últimos”. Fica o aviso lançado – até à realização do próximo encontro.

 

Hugo Séneca - DCI CIÊNCIAS
hugoseneca@fc.ul.pt
Centro Cultural de Montargil, Ponte de Sor

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Logotipo

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Pint

O Pint of Science traz para bares portugueses e internacionais assuntos científicos de forma descomplicada.

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Investigadores de Ciências identificaram um novo ciclo global de marés que ocorre ao longo de grandes escalas de tempo geológico.

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Nesta fotolegenda destacamos uma passagem da entrevista com o engenheiro químico Pedro Castro e que pode ser ouvida no canal YouTube e na área multimédia deste site.

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"É necessário um equilíbrio entre aquilo que eu e o outro precisamos", explica a psicóloga Andreia Santos, na sua rubrica habitual.

CAP

A 8.ª conferência Communicating Astronomy with the Public, ocorrida em março, no Japão, juntou mais de 450 comunicadores de ciência, de 53 países. João Retrê, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço foi um deles.

relógio solar

“O que é o Planeta Terra?” foi a questão que marcou o início dos workshops “Relógio Solar” e “Robot/Pintor” que decorreram no passado dia 9 de abril na Faculdade de Ciências e que contaram com a participação de 15 alunos do Colégio da Beloura em Sintra com idades entre os 4 e os 5 anos.

Rosto do investigador

O prémio é concedido pelos editores do Journal of Coordination Chemistry a um jovem químico, autor do melhor artigo do ano. Pela primeira vez é atribuído a um português, no âmbito de um trabalho realizado por investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, nomeadamente no Centro de Química e Bioquímica e no Instituto de Biossistemas e Ciências Integrativas .

Célia Lee

O que fazem e o que pensam alguns membros da comunidade de Ciências? O Dictum et factum de abril é com Célia Lee, que trabalha no suporte à investigação e à prestação de serviços no Instituto Dom Luiz.

 BARCOSOLAR.EU

Sara Freitas, doutoranda de Sistemas Sustentáveis de Energia, colabora no Festival Solar Lisboa, que acontece em maio e inclui muitas atividades gratuitas, tais como passeios num catamarã solar, semelhantes aos que ocorreram em abril no Parque das Nações e que contaram com a presença do grupo Energy Transition do Instituto Dom Luiz.

Erica Sá, bióloga, bolseira e membro da equipa do MARE, faleceu dia 11 de abril, aos 36 anos. A Faculdade lamenta o triste acontecimento, apresentando as condolências aos seus familiares, amigos e colegas.

Centro de Dados da FCUL

"Wittgenstein coloca (em 1934) a pergunta “Pode uma máquina pensar?”, 16 anos antes de Alan Turing (no artigo “Computing Machinery and Intelligence” da revista Mind, novembro, 1950). E, essa especulação feita no campo da Filosofia tem um significado interessante nos dias de hoje, aparecendo como uma previsão significativa (Oliveira, 2017)", escreve Helder Coelho em mais um ensaio.

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