2013 Ano Internacional da Estatística

A Estatística e o Ambiente

Kamil Feridun Turkman
Kamil Feridun Turkman

As preocupações com problemas de natureza ambiental fazem parte, desde há décadas, da agenda de todas as Nações. É fundamental uma compreensão adequada dos mecanismos e relações que governam as questões ambientais para que seja possível conciliar interesses económicos e ambientais.

Há muitas questões que estão interligadas, e que necessitam ser tomadas em consideração pelos cientistas, quando estes são chamados pelos decisores a construir ferramentas de apoio à decisão.

Estas questões incluem, embora não se restrinjam, a monitorização ambiental, a amostragem, o estabelecimento de padrões ambientais e consequências associadas à sua não observância; questões de natureza climática e meteorológica tais como aquecimento global, recursos hídricos, a gestão e oferta de recursos pesqueiros, conservação de florestas, etc.. Nestes estudos há essencialmente dois objetivos em vista: compreender os mecanismos que governam os processos que lhes dão origem e predizer realizações futuras. A Estatística desempenha aqui um papel primordial no estabelecimento de modelos para a inferência, na quantificação de efeitos, medição de riscos e consequências e interpretação de evidências.

Ambiente rural
Fonte: iStock

Estudos ambientais produzem dados com uma estrutura de natureza dinâmica espácio-temporal de grande complexidade. Não só as observações são feitas, em geral, em diferentes unidades de tempo, como também em diferentes resoluções espaciais. Esta complexidade, inerente ao estudo dos problemas ambientais, é cada vez maior graças aos avanços que nos últimos anos se tem vindo a observar na qualidade e capacidade dos instrumentos de medida, permitindo obter dados, com um nível de resolução, para cuja análise as rotinas analíticas clássicas não estão preparadas para dar resposta. O aumento da quantidade e qualidade de informação disponível requer naturalmente a criação de modelos mais complexos que permitam entrar em linha de conta com todas as variáveis em jogo. A implementação destes modelos requer, por sua vez, mais e mais capacidade computacional, limitando a execução de simulações ou inferências, mesmo usando os sistemas computacionais mais sofisticados. Para dar uma ideia da amplitude da escala temporal e espacial de que se está a falar, basta referir que alguns modelos simulam processos em meso-escala, outros simulam, por exemplo, rajadas de vento em condições urbanas à volta de edifícios com resoluções espaciais extremamente finas.

Há muitos objetivos em vista quando se estuda este tipo de dados a nível global. Pode pretender-se modelar variações espácio-temporais existentes; quantificar a incerteza presente nos processos aleatórios que originam os dados; quantificar possíveis efeitos climáticos causais, quantificar efeitos relativos a fatores humanos ou outros efeitos nesses processos e finalmente predizer realizações futuras no espaço e no tempo.

Cox e Isham (1994) definem, genericamente, três classes de modelos matemáticos para modelar processos ambientais:

  •  Modelos determinísticos espaço temporais, os quais dependem da solução numérica de um sistema de equações diferenciais não lineares, sendo em geral elevado o número de equações envolvidas. Estas equações são escolhidas de modo a representarem, de um modo mais realístico possível, os processos físicos subjacentes.
  • Modelos paramétricos espaço temporais, de natureza estocástica, em que os processos físicos subjacentes são explicados através de um número elevado de parâmetros.
  • Modelos estatísticos espaço temporais, de natureza empírica, em que o estado do processo está relacionado com a experiência, dados observados no tempo e espaço e outras variáveis explicativas, através de funções de ligação.

Que abordagem ou abordagens a utilizar depende do problema em estudo. Por exemplo, modelos determinísticos, por natureza, são capazes de representar muito melhor a dinâmica dos processos subjacentes do que modelos estatísticos empíricos, mas não permitem quantificar as flutuações aleatórias inerentes e o seu efeito nas conclusões, retiradas a partir de estudos de simulação. Por outro lado, modelos estatísticos empíricos são construídos com o propósito de quantificar o grau de incerteza inerente a esses modelos, mas não são desenhados para capturar realisticamente o processo físico subjacente. Recentemente tem havido grande interesse em construir modelos que juntem as qualidades dos modelos determinísticos à dos modelos empíricos. São, contudo, muitos os desafios que se colocam aos investigadores na construção desses modelos, já que implicam a resolução numérica simultânea de um grande número de equações diferenciais estocásticas não lineares. Presentemente esses modelos ainda estão longe de serem operacionais. Tal como eloquentemente Noel Cressie afirmou: os cientistas que baseiam os seus estudos em modelos determinísticos, tais como modelos de circulação global em climatologia, apenas aceitariam usar modelos estatísticos empíricos e "convidariam estatísticos para trabalhar com eles" na modelação de dados que representem verdadeiros desafios, se os estatísticos forem capazes de produzir modelos realísticos, ultrapassando todos os problemas computacionais, e de apresentar resultados credíveis, em tempo considerado útil. Contudo, tipicamente, a solução desses modelos empíricos envolve operações de integração numérica e/ou inversão de matrizes, com centenas ou milhares de parâmetros desconhecidos, demasiado complexas para serem executadas usando as técnicas computacionais existentes.
 

Ambiente rural
Fonte: iStock

O artigo seminal de Gelfand e Smith (1990) abriu caminho para a utilização de métodos inferências baseados em simulação e para a verdadeira revolução que os métodos de Monte Carlo via cadeias de Markov (MCMC) trouxeram para a Estatística. Hoje, estatísticos e outros cientistas são capazes de resolver problemas bastante complexos, partindo-os em problemas mais simples, através de uma especificação hierárquica, permitindo fazer inferência em modelos com um número muito elevado de parâmetros, com recurso a sofisticados métodos de simulação. Estes modelos e métodos inferenciais são particularmente úteis na análise de dados de natureza espácio-temporal de grande complexidade, com estruturas de dependência não lineares e comportamentos marcadamente não gaussiano. Estes estudos constituem atualmente um tópico "quente" em estatística ambiental. Há, no entanto, dois grandes problemas a resolver. Um deles é a "maldição da dimensão". Tipicamente a estrutura de dependência espácio-temporal, inerente na maior parte dos dados, é representada no modelo através de um campo aleatório gaussiano, e os métodos inferenciais dependem da inversão da correspondente matriz de covariância cuja dimensão pode chegar a vários milhares. Os métodos numéricos correntes não conseguem dar resposta a esta questão. Há duas abordagens possíveis para este problema. Uma das abordagens passa pela constatação de que, embora as matrizes de covariância sejam densas, as suas inversas são matrizes esparsas e há métodos numéricos que fazem uso desta propriedade. A outra abordagem baseia-se na aproximação de campos aleatórios gaussianos, por campos aleatórios gaussianos com propriedades markovianas (Lindgren et al, 2010). Isto porque certas classes de campos aleatórios gaussianos, tais como a classe Mátern, surgem como solução de certas equações diferenciais estocásticas e essas soluções podem ser aproximadas por campos aleatórios gaussianos de Markov, usando método standard de elementos finitos.

Gostava de usar esta oportunidade para referir que Finn Lindgren, um dos investigadores mais ativos nesta área, esteve em Lisboa durante este mês de junho, a convite do CEAUL, para dar um curso sobre esta metodologia.

Outro problema associado com estes métodos empíricos é que a metodologia MCMC que os permite implementar depende fortemente da expressão da verosimilhança do modelo e, em muitos problemas, esta verosimilhança não pode ser expressa analiticamente, embora a simulação destes modelos não seja um problema difícil. Métodos computacionais "likelihood free", tais como Approximate Bayesian Computation (ABC), têm sido usados, com algum sucesso, em problemas de resolução difícil, sendo este atualmente um tópico de investigação de ponta em vários problemas ambientais e biológicos. Hoje em dia, avanços metodológicos em estatística ambiental, têm sido acompanhados por grandes avanços a nível computacional. A existência de uma grande variedade de bibliotecas do R, específicas para o estudo de dados ambientais, e pacotes de livre acesso, tais como OpenBUGS, JAGS e R INLA, põem a utilização dessas metodologias avançadas ao serviço dos investigadores.

Estrada em ambiente rural
Fonte: iStock

Em resumo, os investigadores da área da Estatística têm, nas últimas décadas, feito todos os esforços na tentativa de corresponder aos enormes desafios que lhes vão sendo colocados pelos investigadores nas áreas do ambiente. A cada vez maior complexidade de dados de natureza ambiental, fruto dos enormes avanços tecnológicos e da crescente capacidade de aquisição de dados com resolução espácio-temporal cada vez mais fina, já fez, por sua vez, mudar o paradigma da Estatística. Contribuiu grandemente para este esforço a criação, na última década do séc. XX, de organizações especificamente orientadas para a resolução de problemas de Estatística Ambiental, nomeadamente SPRUCE e TIES, juntamente com o surgimento de revistas de especialidade tais como Environmetrics e Environmental and Ecological Statistics. Hoje em dia a Estatística Ambiental é reconhecida como uma área específica da Estatística. É no entanto crucial que estatísticos e investigadores em Ciências do Ambiente mantenham uma colaboração estreita, para que continuem a ser desenvolvidos métodos estatísticos e computacionais adequados que permitam dar resposta continuada aos desafios presentes e futuros.

Kamil Feridun Turkman, professor do DEIO-FCUL e investigador do CEAUL
Sólveig Thorsteinsdóttir, Susana Martins e Ana Rita Carlos

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