Inteligência Artificial

Fernando Pereira, antigo aluno de CIÊNCIAS e vice-presidente da Google Deepmind: “A matemática é o meu superpoder”

Fernando Pereira, vice-presidente Google Deepmind

Fernando Pereira lembra a importância que a matemática pode ter no desenvolvimento da Inteligência Artificial

Sake Multimédia - Diogo Rodrigues

Fernando Pereira é hoje um dos nomes incontornáveis da Inteligência Artificial mundial, mas não renega os ensinamentos obtidos durante a Licenciatura em Matemática na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa). Sendo vice-presidente da Google Deepmind, o famoso antigo aluno de Ciências ULisboa saberá como poucos o que nos reserva o futuro da Inteligência Artificial (IA). E foi nessa condição que nos deu, esta terça-feira, uma entrevista, minutos antes de protagonizar um curioso diálogo aberto ao público, com o neurologista António Damásio no evento Responsible AI Forum 2025, que teve lugar na Fundação Champalimaud, em Lisboa. “Uma pessoa não consegue perceber os fundamentos de toda a IA corrente sem ter um mínimo de educação de álgebra linear, certos aspetos de geometria, ou certos aspetos de análise de múltiplas variáveis”, recorda o executivo da Google Deepmind à margem do evento organizado pelo Centro para a IA Responsável.

As coisas que aprendeu em Ciências ULisboa, no século passado, ainda são úteis para aquilo que faz na atualidade?

É importante saber que fiz a licenciatura em matemática pura, na altura em que a licenciatura tinha cinco anos, mas, ao mesmo tempo, estava a trabalhar em part-time no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), e aí é que comecei a trabalhar em Inteligência Artificial (IA). É um pouco um contraste, porque tudo o que estava a fazer na Faculdade de Ciências era matemática pura… Lógica, topologia, análise funcional, álgebra abstrata… Na altura, cheguei a hesitar se iria prosseguir os estudos de doutoramento em matemática, tendo em conta que, ao mesmo tempo, estava a fazer programação e experiências com IA. A parte da matemática foi uma coisa que sempre me interessou muito. Por outro lado, há o rigor lógico e o rigor do raciocínio que a matemática traz e que me ajudou ao longo da carreira para visualizar problemas. Mesmo que sejam computacionais, esses problemas, muitas vezes, têm um caráter geométrico, um caráter algébrico, um caráter analítico. Em todos esses casos, toda essa educação que tive (em Ciências ULisboa) serve para processar mais rapidamente os problemas e ver conexões entre aquilo que estou a fazer num momento e outras ideias, outros problemas, e outras técnicas… a matemática tem esta característica!

Fica a ideia de que a matemática dá acesso direto à informática…!

Trata-se da capacidade de raciocinar abstratamente sobre os problemas, que é uma coisa difícil de obter de outra maneira. Tem-me servido ao longo da carreira. Sinto que é o meu superpoder; é o que dá capacidade de pensar em problemas concretos de maneira geral e abstrata e que permite conectar diferentes áreas de conhecimento – seja a linguística, seja a teoria da probabilidade, seja a teoria da informação, ou mesmo, por exemplo, aspetos de método. Toda a IA corrente que tem por base em redes neuronais, cálculo de múltiplas variáveis, todas as ideias de diferenciação, integração...

Todas essas áreas beneficiam da matemática!

Uma pessoa não consegue perceber os fundamentos de toda a IA corrente sem ter um mínimo de educação de álgebra linear, certos aspetos de geometria, certos aspetos de análise de múltiplas variáveis... As pessoas podem dizer: “ah, não preciso fazer isso, só estou aqui a trabalhar com este chatbot, e a interagir, para ele fazer programas por mim”. Mas, isso é o mesmo que ser médico e não saber nada sobre biologia. Da mesma maneira, uma pessoa que trabalha com a IA corrente que é baseada em redes neuronais, se não souber da matemática subjacente, está sempre em desvantagem. Ajudou-me muito a ficar com um pensamento mais rigoroso, e capacidade de abstração. As cadeiras que tive (na Faculdade) ajudaram-me a estimular e a afinar essa capacidade, enquanto resolvia problemas difíceis que requeriam concentração e pensamento rigoroso, ou demonstrações de teoremas complicados.

E hoje, o que têm de estudar os alunos que querem trabalhar em IA?

Os fundamentos da matemática e certos aspetos de ciências cognitivas continuam a ser importantes, para estas técnicas todas (da IA). A maneira como faz o treino dos modelos (de IA)… É tudo baseado na análise matemática! Uma pessoa pode usar aquilo como se fosse uma caixa negra e carregar no botão e esperar. Mas depois, quando as coisas resultam mal, não sabe porquê. Também temos coisas que estão relacionadas com o processamento de sinais visuais, ou de voz - e isso, mais uma vez, tem uma matemática substancial. O controlo de um robô, que tem movimentos, implica métodos técnicos e matemáticos para otimizar esses movimentos. Ou seja, tudo o que tem a ver com engenharia tem uma relação com métodos de análise e síntese, e todos eles dependem da matemática, mais uma vez. As questões relacionadas com os fundamentos da computação têm a ver com a lógica e a combinatória… Todas estas disciplinas instilam uma capacidade rigorosa de análise, uma capacidade de crítica. Para ter uma análise crítica destes métodos, há que saber de onde é que vêm. Caso contrário a crítica superficial ou uma aceitação superficial. Esse é um dos problemas maiores que temos. A tecnologia é tão impressionante que pode levar as pessoas a ficarem seduzidas e a dizer que “ah, isto é o que é” enquanto acreditam naquilo como se fosse uma coisa mágica. Mas quando se percebe os fundamentos técnicos e os fundamentos matemáticos e estatísticos destas tecnologias, também se percebe quando é que podem falhar e estar sempre mais capaz de ter um pensamento crítico e um pensamento criador.

Fernando Pereira
Fernando Pereira aponta o reconhecimento do espaço físico como um dos próximos desafios que terão de ser superados pela Inteligência Artificial - Sake Multimédia - Diogo Rodrigues

Depois da euforia da IA Generativa, o que virá a seguir?

Uma das coisas que temos que analisar com a Inteligência Artificial Generativa, e que vou falar neste evento com António Damásio, é que ainda lhe falta capacidade para interagir de maneira integrada com o mundo físico. A IA fala e produz respostas, mas se pegar num objeto (ao mesmo tempo que fala, Fernando Pereira pega numa caneta e começa a fazer gestos com ela no vazio para exemplificar), a IA pode não perceber que é o mesmo objeto em posições diferentes. Trata-se de um problema de geometria projetiva em três dimensões, que permite perceber como é que a representação visual muda enquanto isto (a caneta) se move. Hoje, os nossos modelos de IA Generativa não têm essa capacidade, porque ainda não são capazes de internalizar toda a estrutura do mundo físico. E no mundo físico, também tratamos de coisas de muito mais de alta dimensão, como o processamento de informação biológica, climática, ou de coisas altamente dimensionais que estes modelos ainda não capturam. Portanto, não têm uma noção robusta do espaço e do tempo.

Pelas suas palavras, depreende-se que esse é um dos capítulos que se seguem na IA…!

É um passo muito importante. A ideia de world models ou modelos do mundo, tem por base um modelo do espaço exterior e da maneira como se organiza, bem como de toda a interação nesse mundo exterior.

Quais os perfis profissionais mais procurados? Será mesmo verdade que a IA vai mesmo mudar o paradigma atual e acabar com a profissão de programador?

Para mim o paradigma é o seguinte: a capacidade analítica, a capacidade crítica, e a capacidade de pensamento rigoroso e lógico nunca ficam fora de moda – e vão ser amplificados por esta tecnologia. Talvez eu não tenha de escrever programas à moda antiga, mas tenho de exprimir aquilo que quero, de uma maneira rigorosa. Quando falamos com um chatbot, temos de saber o que estamos a dizer. Curiosamente, as pessoas, muitas vezes, falham nisso. Por vezes, as pessoas que são as mais capazes de pôr o chatbot a fazer aquilo que querem tiveram formação literária - e sabem escrever rigorosamente, por exemplo. O meu filho, que fez um mestrado em literatura inglesa e foi professor do ensino secundário, não tem problema nenhum em trabalhar com um chatbot para pô-lo a programar. Ele programou um pouco quando estava na universidade, mas hoje usa aquilo (a IA) para fazer coisas. E ele é eficaz, porque se sabe exprimir de uma maneira extremamente rigorosa. É isso mesmo que é fundamental; é essa capacidade de se exprimir com rigor, de comunicar uma intenção e aprender criticamente, quando o resultado não é o que se quer, para poder analisar o que falhou.

Será correto concluir que, afinal, a IA está abrir portas a quem não estudou informática?

Mas exige um pensamento rigoroso… seja nos cursos mais rigorosos de informática e de matemática, ou também nos cursos de literatura que sejam suficientemente rigorosos. É isto que é necessário: capacidade crítica, capacidade analítica, rigor de pensamento, rigor de expressão.

Hugo Séneca
hugoseneca@ciencias.ulisboa.pt
Detalhe da função de onda calculada para a espécie ativa do catalisador

Nuno A. G. Bandeira modelou computacionalmente as propriedades eletroquímicas de óxidos de molibdénio. O investigador da Universidade de Lisboa pretende continuar a estudar moléculas originais e interessantes seja qual for a sua finalidade. “A tabela periódica ainda tem muito para nos dizer”, diz o cientista.

Floresta Laurissilva

Estudo de fósseis revela a extinção de uma árvore da família do chá que se encontrava presente há 1,3 milhões de anos na ilha da Madeira. Carlos A. Góis-Marques, aluno de doutoramento em Geologia, é um dos autores desta investigação.

Janela triangular

É o mecanismo mimético que nos permite interatuar uns com os outros, compreender os sentimentos dos amigos, e viver a compaixão e a empatia”, in Campus com Helder Coelho.

Livro aberto

Ao todo estão previstas sete sessões, com pelo menos um orador convidado. Em cada uma delas Dinis Pestana falará sobre livros que estejam relacionados com o tema em análise. O objetivo é conquistar leitores, sobretudo entre os estudantes universitários.

“Aceitar que por vezes se falha, que podemos não ter a aprovação dos outros e aceitar as consequências das tomadas de decisão, pode inicialmente ser mais desconfortável, mas acarreta consigo uma maior sensação de responsabilidade e liberdade na vida”, escreve na rubrica habitual a psicóloga do GAPsi, Andreia Santos.

Vista aérea da zona de cultivo no PermaLab, no campus de Ciências ULisboa

O primeiro estudo científico desenvolvido no PermaLab – um laboratório vivo de permacultura, situado no campus de Ciências ULisboa, será publicado no volume 212 da edição de março de 2019 do Journal of Cleaner Production, reforçando dessa forma a importância dos laboratórios vivos no contexto universitário.

“O desenvolvimento de uma missão astronómica espacial é uma aventura demorada, que, nos casos mais complexos, pode demorar mais de duas décadas. Com o Athena estamos envolvidos neste processo desde os primeiros passos, tendo ajudado a construir a proposta ‘vencedora’”, conta José Afonso, que lidera a participação portuguesa na missão Athena, prevista para 2031.

Projeto de Sismologia nas Escolas do Instituto Dom Luiz

Guilherme Weishar apresenta-nos o projeto de Sismologia nas Escolas do Instituto Dom Luiz e que tem uma componente de citizen science.

Wani na Indonésia

Objetivo da missão dos investigadores do IDL Ciências ULisboa e do IPMA?! Melhorar a caracterização do tsunami de 28 de setembro de 2018, de modo a desenvolver técnicas e programas de mitigação destes fenómenos naturais.

Ricardo Honório

Cernorium é o canal YouTube de Ricardo Honório, aluno do mestrado integrado em Engenharia Física de Ciências ULisboa. O projeto tem já disponível o primeiro episódio e é a “concretização de uma ideia antiga que procura aliar a paixão pela Física com algum humor.

Galeria da fauna marinha (maioria tropical), anos 1950/1960

Evocações sobre Entomologia no Museu Bocage e na Faculdade, pelo professor, cientista José Alberto Quartau. Versão abreviada da alocução proferida aquando do 35.º aniversário do Departamento de Biologia Animal de Ciências ULisboa, em 5 de junho de 2018.

Francisco Saldanha da Gama

Nesta fotolegenda destacamos uma passagem da entrevista com Francisco Saldanha da Gama, professor do Departamento de Estatística e Investigação Operacional e investigador do Centro de Matemática, Aplicações Fundamentais e Investigação Operacional de Ciências ULisboa, e que pode ser ouvida no canal YouTube e na área multimédia do site da Faculdade.

Lisboa

Ciências é uma das cinco instituições da ULisboa que integra o projeto ALHTOUR.

 Conselho Diretivo da ELRA

António Branco, professor do DI Ciências ULisboa, é o novo presidente da ELRA-European Language Resources Association, a principal associação científica europeia para o processamento da linguagem natural e uma das mais importantes associações a nível mundial nesta subárea da Inteligência Artificial.

Robô e criança

"Revendo as discussões nos últimos anos sobre a Inteligência Artificial (IA), a ideia da superinteligência (super-homem) e da frieza dos comportamentos dos agentes artificiais, quando comparados com os seres humanos, concluímos que o medo à IA só será ultrapassado com uma nova postura da IA, virada para a enfâse nos benefícios", escreve Helder Coelho, professor do DI Ciências ULisboa.

Raúl Ferreira

O que fazem e o que pensam alguns membros da comunidade de Ciências ULisboa? O Dictum et factum de dezembro é com Raúl Ferreira, assistente operacional da Oficina Gráfica da Área de Serviços Técnicos de Ciências ULisboa.

Às vezes é mesmo preciso “sair da cabeça e dar ouvidos ao corpo”

“Às vezes é mesmo preciso 'sair da cabeça e dar ouvidos ao corpo'. Dar atenção aos sinais físicos e às sensações”, escreve na rubrica habitual a psicóloga do GAPsi, Andreia Santos.

Soraia Pereira

Leia a entrevista com Soraia Pereira, vencedora do Prémio SPE2018 e que descobriu o interesse pela Estatística no último ano da licenciatura em Matemática.

Matemática

O novo livro de Jorge Buescu, professor do Departamento de Matemática de Ciências ULisboa é apresentado ao público em dezembro. Leia a entrevista com o matemático e escritor que através da Matemática "rasga horizontes e abre novos mundos a mentes sequiosas".

Logotipo

"Até agora, os cientistas cidadãos das comunidades GROW implementaram/instalaram 2.000 sensores com o intuito de avaliar a humidade, temperatura e radiação solar do solo nos diferentes GROW Places. No próximo ano deverão ser implementados cerca de 10.000 sensores. Este é considerado o maior levantamento de dados de diversas propriedades do solo na Europa, realizado por cidadãos", escreve em artigo de opinião Gil Penha-Lopes, investigador do DBV Ciências ULisboa e cE3c.

Livros

O projeto “NitroPortugal -Strengthening Portuguese research and innovation capacities in the field of excess reactive nitroge” promove livro infantil “A história do azoto, bom em pequenino e mau em grande”.

Adrià López Baucells

A British Ecological Society anunciou esta sexta-feira, dia 30 de novembro, os vencedores do concurso anual de fotografia Capturing Ecology. Entre as várias fotografias premiadas encontram-se as de Adrià López Baucells, estudante do programa doutoral Biodiversidade, Genética e Evolução e investigador do polo de Ciências ULisboa do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais.

Ilustração de um buraco negro ativo no centro de uma galáxia

Cientistas portugueses estiveram envolvidos na primeira medição espacial do redemoinho de massa que orbita um buraco negro de centenas de milhões de massas solares.

C6

Soraia Pereira, investigadora do Centro de Estatística e Aplicações da Universidade de Lisboa e antiga aluna de Ciências ULisboa, vence Prémio Sociedade Portuguesa de Estatística 2018.

Representação esquemática da bicamada fosfolipídica da membrana e da sua alteração, após ação do antibiótico (à esquerda) e visualização da membrana danificada por ação de uma dose inferior à concentração mínima letal (à direita)

Uma equipa liderada por Ciências ULisboa descobriu antibióticos derivados de açúcares, que matam células de espécies de Bacillus spp, incluindo Bacillus anthracis, um micróbio causador da doença antrax, que ataca animais e seres humanos e é um agente de bioterrorismo.

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