Entrevista com… Filipe Duarte Santos

Cientista, professor, investigador, pintor

Filipe Duarte Santos. Cientista, professor, investigador e, por vezes, pintor.

Os seus trabalhos sobre as alterações do clima e o desenvolvimento sustentável colocam-no como referência nacional e internacional. Passou longos períodos da vida profissional a trabalhar em universidades e centros de investigação estrangeiros, experiência que o faz somar colegas estrangeiros e amigos espalhados pelo mundo. Ciências é a sua casa desde 1969. Aqui, ainda ensina e aprende, muitas vezes com alunos. É também através deles que conclui: “cada nova geração tem sempre esperanças renovadas de criar algo de novo, de abrir novos caminhos e de se distanciar e diferenciar da geração antecedente. Há um renascer permanente. Saber assistir e aderir a este processo é talvez um dos principais segredos de nos mantermos jovens de espírito”. Na entrevista a seguir apresentada, fique a conhecer um pouco mais do percurso e a visão do professor jubilado do Departamento de Física de Ciências sobre como podem as pessoas contribuir para uma sociedade positiva, mais justa e empreendedora.


"Para mim, uma das maiores alegrias de ser professor é contactar permanentemente com os jovens, com o seu dinamismo, com a sua irreverência e com as suas perguntas desconcertantes que nos obrigam a pensar melhor e a clarificar os conceitos", partilhou o professor de Ciências
Imagem cedida por FDS

É professor catedrático, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e diretor do centro de pesquisa SIM. Como se sente neste papel?

Filipe Duarte Santos (FDS) - Criei, juntamente com o professor Fernando Bragança Gil, o Centro de Física Nuclear da Universidade de Lisboa em 1976 e foi aí que realizei a minha atividade de investigação até 2005, principalmente nos domínios da Física Nuclear e da Astrofísica. A partir dessa data, e na sequência de ter desenvolvido interesses nas áreas do ambiente, das alterações globais e das mudanças climáticas, fundei, juntamente com o professor António Amorim, o centro de investigação SIM (Laboratório de Sistemas, Instrumentação e Modelação em Ciências e Tecnologias do Espaço e do Ambiente). Note-se que a minha licenciatura na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que realizei de 1959 a 1963, foi em Ciências Geofísicas. Depois, fiz o doutoramento em Física Nuclear Teórica na Universidade de Londres de 1964 a 1968. Senti, ao longo da minha vida profissional, uma profunda necessidade de alargar o âmbito dos meus interesses de investigação. Isso deu-me a possibilidade de ter uma visão mais abrangente da ciência e sobretudo dos grandes desafios do desenvolvimento socioeconómico e do ambiente, com os quais todos somos confrontados no mundo, neste século XXI. Depois deste longo percurso, tenho finalmente uma formulação mais clara das questões que me coloco em relação ao futuro. Não significa que sei as respostas, mas apenas que as questões estão melhor definidas. Tenho um grande fascínio pela evolução futura do Homo sapiens, seja ela Darwiniana ou autodirigida.

O seu currículo conta com uma vasta experiência no estrangeiro. Quer contar-nos em que contexto traçou caminhos além-fronteiras e de que forma estas experiências contribuíram para a sua formação profissional e/ou pessoal?

FDS - Passei longos períodos da minha vida profissional a trabalhar em universidades e centros de investigação estrangeiros, sobretudo na Grã-Bretanha, Estados Unidos da América, mas também na Alemanha e na Holanda. Esses estágios foram essenciais para a minha formação, para abrir e alargar a visão do mundo e para poder chegar até à vanguarda da investigação científica. A ciência é uma actividade eminentemente internacional que exige a competição com os melhores centros de pesquisa e investigadores do mundo para se conseguir fazer trabalho verdadeiramente original na área científica em que trabalhamos, seja ela qual for. Aprendi muito com os meus colegas estrangeiros e também fiquei com muitos amigos espalhados pelo mundo. Gostei muito de fazer investigação e dar aulas nos EUA, especialmente nas universidades de Wisconsin, em Madison, North Carolina, em Chapel Hill, Duke, em Durham, e mais recentemente, em 2006, em Stanford e Harvard. Na maior parte dos casos, as condições de trabalho são excelentes, há boas bibliotecas, há colegas interessados em estabelecer colaborações e beneficia-se do efeito de um relativo afastamento das problemáticas e da rotina “back home”.

Foi um dos pioneiros em Portugal no que concerne à área das alterações climáticas e coordenou o projeto SIAM. Como vê o futuro neste campo?

FDS - Coordenei o projeto Climate Change in Portugal. Scenarios, Impacts and Adaptation Measures (SIAM), que teve duas fases e conduziu à publicação de dois livros, um em 2002 e outro em 2006, ambos acessíveis na Internet em www.siam.fc.ul.pt. Penso que a mudança climática é um dos maiores desafios ambientais que temos pela frente e que nos vai acompanhar durante muitos séculos. O problema são as emissões antropogénicas de gases com efeito de estufa para a atmosfera, principalmente de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso. Estas emissões intensificam o efeito de estufa que é natural na nossa atmosfera. A intensificação conduz a um aumento da temperatura média global da atmosfera à superfície, a uma maior frequência e intensidade de alguns fenómenos meteorológicos extremos, tais como ondas de calor, secas e eventos de precipitação elevada (que aumentam o risco de cheias) e ainda à subida do nível médio global do mar. Os impactos desta mudança climática agravam-se à medida que a temperatura aumenta e fazem-se sentir em muitos sectores socioeconómicos e sistemas biofísicos tais como, recursos hídricos, agricultura, florestas, biodiversidade, zonas costeiras, saúde humana, zonas urbanas, turismo, seguros, etc.. A dificuldade em combater as alterações climáticas provém principalmente da nossa dependência (cerca de 80%, à escala mundial) dos combustíveis fósseis – carvão, petróleo e gás natural – cuja combustão emite dióxido de carbono para a atmosfera, e também das alterações no uso do solo, especialmente a desflorestação. Teremos pois connosco, durante muitos séculos, o problema das alterações climáticas. As duas principais respostas são a mitigação, ou seja, a redução das emissões de gases com efeito de estufa para a atmosfera, e a adaptação, ou seja, a minimização dos efeitos adversos da mudança climática e o aproveitamento das oportunidades novas que ela possa trazer. Um dos desafios que me atrai é o facto de as políticas de mitigação e adaptação serem science based, dado ser necessário considerar horizontes temporais muito dilatados, e exigirem uma cooperação entre as ciências sociais e humanas e as ciências físicas e naturais. Estou convencido que haverá muitas oportunidades de investigação no domínio das alterações climáticas, seja na área da mitigação como na da adaptação.

O percurso profissional é feito de episódios marcantes e inesquecíveis. Há algum, passado em Ciências, que tenha guardado especialmente na memória e que queira partilhar connosco?

FDS - Houve muitos interessantes e inesperados. Os mais marcantes foram o encontro, o conhecimento e o convívio com alunos excepcionais. Tive o privilégio de ter tido alunos de doutoramento muito criativos e com uma capacidade de trabalho notável. Um deles foi o professor António Amorim, atualmente presidente do Departamento de Física de Ciências. Lembro-me de estarmos um dia empenhados em resolver uma questão de investigação na área da Física Nuclear para a qual eu não conseguia encontrar a solução. O António Amorim pegou no problema e passados poucos dias encontrou a saída para ele. É muito importante termos a noção de que alguns dos mais novos são melhores do que nós fomos e que enfrentam um mundo muito mais complexo.

Para uma sociedade positiva, justa e empreendedora, por Filipe Duarte Santos

Aluno
Estudarem com método e concentração. Terem a noção que se pode aprender a pensar e que essa aprendizagem é muito importante.

Professor
Concentrarmo-nos no essencial e diminuirmos, tanto quanto possível, a importância do aleatório e do circunstancial.

Cientista
Investigar pelo prazer e desafio de investigar, compreender e conhecer também os que, para além desse aspeto, investigam com um objetivo de aplicação societal bem caraterizado.

Empresário
Portugal, tendo presente o mundo a que pertencemos, precisa de muitos mais empresários empreendedores, ativos, voltados para a competição internacional e com sucesso. Estes empresários com sucesso são essenciais para tornar o país viável.

Político
Penso que é essencial reformar o sistema judicial português no sentido de combater de forma eficaz a corrupção e os crimes chamados de “colarinho branco”, por exemplo, aqueles que envolvem banqueiros de que tem havido muitos exemplos recentes. Na comparação da eficácia da nossa justiça com a de outros países da União Europeia no combate a tais crimes Portugal fica muito mal colocado.
Estou firmemente convencido que não é possível Portugal crescer economicamente no seio do clube de países avançados que constituem a UE com uma justiça disfuncional. Ou bem que reformamos a justiça ou, se não a reformamos, teremos enormes dificuldades em pagar a imensa dívida acumulada. Se persistirmos em não combater eficazmente a corrupção e mantivermos uma justiça disfuncional o investimento estrangeiro será muito reduzido, o país crescerá pouco e a qualidade de vida dos portugueses tenderá a degradar-se.

Reformar
Reformar é sempre necessário mas não se trata apenas de novas leis e novas regulamentações. É também preciso reformar as mentalidades e os comportamentos e isso não se garante com enxurradas de legislação.

A passagem de ensinamentos é uma constante na sua vida, enquanto professor. Do outro lado, o que lhe têm ensinado os alunos?

FDS – Sim, sem dúvida que tenho aprendido muito com os meus alunos. Para mim, uma das maiores alegrias de ser professor é contactar permanentemente com os jovens, com o seu dinamismo, com a sua irreverência e com as suas perguntas desconcertantes que nos obrigam a pensar melhor e a clarificar os conceitos. Outra alegria é vê-los ganhar conhecimentos e experiência e finalmente ver alguns lançarem-se na grande aventura da investigação. O mundo está obviamente em permanente transformação e cada geração tem o seu “tempo”. Cada nova geração tem sempre esperanças renovadas de criar algo de novo, de abrir novos caminhos e de se distanciar e diferenciar da geração antecedente. Há um renascer permanente. Saber assistir e aderir a este processo é talvez um dos principais segredos de nos mantermos jovens de espírito.

 E a arte, que lugar ocupa na vida do professor?

FDS - A arte para mim é essencial. Tive o privilégio de nascer numa família de artistas e desde muito cedo que me habituei a desenhar. Quando estou fora do país aproveito sempre que possível para visitar um museu, ver uma exposição ou ir a um concerto ou ao teatro. Desenho e pinto com alguma regularidade e quando estou frente ao papel ou à tela, o mundo habitual desaparece e sinto-me dominado por outras forças. É uma forma de nos libertarmos temporariamente da rotina e ganharmos novas forças. Atenção, porque fisicamente fica-se cansado mas é um cansaço reparador, tal como no desporto.

Se se pudesse rever numa citação, qual seria?

FDS - Menciono uma das citações que incluí no meu livro Humans on Earth. From Origins to Possible Futures publicado pela Springer em 2011: Optimism is our duty. We are all co-responsible for what is coming, de Karl Popper (Berlin, 17 de dezembro de 1993).

Quanto ao futuro, há já novos projetos traçados?

FDS – Sim. Estou a escrever um novo livro, essencialmente sobre a problemática global contemporânea, numa perspetiva evolutiva de longo prazo.

Raquel Salgueira Póvoas, Gabinete de Comunicação, Imagem e Cultura
ínfo.ciencias@fc.ul.pt
Edifício C2

A primeira reunião do projeto PROSEU “PROSumers for the Energy Union: mainstreaming active participation of citizens in the energy transition”, financiado pelo Horizonte 2020 e com a duração de três anos, realiza-se no campus de Ciências, nos dias 22 e 23 de março.

Carrinho

Dez empresas discutem os últimos avanços no sector da mobilidade sustentável.

Sala de aulas

Parece razoável inferir que queremos ter estudantes que saibam como aprender e que conheçam como descobrir a informação que precisam a partir de uma variedade de fontes.

Papel ardido

Saí da FCUL ao fim da tarde rumo ao meu fim de semana. Para trás ficou um edifício imponente a fervilhar de vida, e ao mesmo tempo já a minha casa! A casa que nos ampara, nos ensina e, a mim, permitia uma entrada num mundo tão fortemente diferente do vivido por mim noutro lugar.

Pessoas na Politécnica recuperam objetos no rescaldo do incêndio

Ainda durante o rescaldo do incêndio iniciaram-se as operações de salvamento e recuperação do que ainda fosse possível salvar e recuperar.

Imagem abstrata

Dez países juntam-se para o estudo do património dos materiais plásticos.

Edifício da Escola Politécnica

Politénica (FCUL)... escrever e ou pensar sobre “ELA”, hoje, ainda me emociona...

Pormenor de uma palmeira

Agora era diferente. No fim da Ferreira Borges surgia sempre a mesma dúvida que me tolhia o passo: onde são as aulas hoje? E eu, traído pela minha própria desorganização, fazia todos os dias o mesmo esforço para encontrar uma qualquer lógica que me ajudasse a decidir para onde ir naquele dia. Politécnica? 24 de Julho? É claro que ter um horário comigo ajudaria...

Rosto de Marta Antunes

O que fazem e o que pensam alguns membros da comunidade de Ciências? O Dictum et factum de março é com Marta Antunes, técnico superior do Departamento de Geologia de Ciências.

Bombeiro apaga fogo

Era madrugada e o edifício da Faculdade de Ciências de Lisboa, na rua da Escola Politécnica, ardia. Dezoito de março, seriam duas horas da madrugada. Um salto da cama, um vestir rápido e uma fuga apressada ao encontro das labaredas.

Escola Politécnica

Passaram 40 anos do incêndio da “outra” Faculdade. São já poucos os que vivenciaram, alguns os que ficaram marcados. Para os mais novos, o “fogo na Politécnica” é apenas uma história que ouviram contar.

Mar

Qual o impacto das poeiras provenientes do Sahara na produtividade marinha do Oceano Atlântico tropical, particularmente nos coccolitóforos (fitoplâncton calcário)? Esta é a principal questão que irá marcar o trabalho de Catarina Guerreiro, investigadora do MARE.

pilhas de compostagem

O compostor da FCUL foi inaugurado há pouco mais de um ano, em 27 de novembro de 2016, numa parceria entre a HortaFCUL, o Gabinete de Segurança, Saúde e Sustentabilidade da FCUL e o cE3c - Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais.

Gabriella Gilli

Gabriella Gilli, investigadora do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, pretende usar um novo modelo teórico tridimensional, análogo ao que é usado para descrever a atmosfera de Vénus, para antecipar as futuras observações de exoplanetas quentes de tipo terrestre.

Vladimir Konotop

Nesta fotolegenda destacamos uma passagem da entrevista com o físico Vladimir Konotop e que pode ser ouvida no canal YouTube e na área multimédia deste site.

Bernadette Bensaude-Vincent

A ULisboa atribui a 2 de março o título de doutor honoris causa a Bernadette Bensaude-Vincent, por proposta da Faculdade de Ciências, homenageando uma personalidade de grande relevo cientifico com relações estreitas com o contexto científico português, demonstrando publicamente quanto lhe deve e quanto se sente honrada por lhe poder conceder este titulo.

Biblioteca com alunos

A entrada na faculdade é muito mais do que a transição para uma nova etapa académica, é o início de uma aventura no próprio desenvolvimento, onde se passa de jovem a adulto. Esta fase acarreta desafios para o próprio e nas relações com os outros, ficando este jovem adulto entre o medo e o desejo de crescer com tarefas académicas, sociais, pessoais e vocacionais para fazer face, simultaneamente.

Campus de Ciências

Dois investigadores do cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais receberam bolsas europeias Marie Sklodowska-Curie para desenvolver investigação nos próximos dois anos.

Concorrentes

A semifinal aconteceu a 17 de fevereiro, a final nacional a 12 de abril e a final internacional entre 5 e 10 de junho. Em Ciências foram apurados quatro finalistas, estudantes da ULisboa nos cursos de Física, Biologia, Engenharia Química e Matemática Aplicada e Computação.

Carlos Mateus Romariz Monteiro

Faleceu a 9 de fevereiro de 2018, com 97 anos, Carlos Mateus Romariz Monteiro.

Pessoa sentada junto a uma mesa

Passamos, quer no trabalho como em momentos de lazer, longos períodos sentados. Estar sentado é um descanso! Mas, será mesmo assim?

João Martins

O que fazem e o que pensam alguns membros da comunidade de Ciências? O Dictum et factum de fevereiro de 2018 é com João Martins, técnico superior do Departamento de Física de Ciências.

A cooperação (e colaboração) científica apoia-se sempre em ensinar e aprender (dar e receber), num registo de amizade e humildade, de motivação e de empolgamento. A paridade é fundamental, tal como o “foco e simplicidade”, a relevância e a utilidade (Steve Jobs).

João Carlos Marques, professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra é o novo diretor do MARE, sucedendo no cargo Henrique Cabral, professor do Departamento de Biologia Animal de Ciências.

A iniciativa possibilita aos estudantes a recolha de informação sobre diversas áreas do saber das 18 escolas da Universidade de Lisboa.

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