O Projeto SOS Azulejo existe oficialmente há seis anos. Para além de procurar combater a delapidação do património azulejar português – a Polícia Judiciária registou entre 2007 e 2012 uma diminuição de 80% dos furtos de azulejos históricos e artísticos – pretende igualmente sensibilizar a sociedade para a importância da conservação preventiva destes bens, por isso tem implementado várias iniciativas, como é o caso dos Prémios Anuais SOS Azulejo, instituídos em 2010.
A cerimónia de entrega de prémios aconteceu no passado dia 28 de maio, no Palácio Fronteira, em Lisboa. O trabalho de 14 pessoas e organismos foi alvo de distinção, mediante a atribuição de cinco menções honrosas, um prémio extraconcurso e outros oito prémios, entre os quais se destaca o Prémio Abordagem Inovadora, atribuído a Jorge Rezende. Em entrevista, o investigador conta como surgiu o seu interesse pela azulejaria artística portuguesa.
Como surgiu o seu interesse pelo património azulejar português?
Jorge Rezende (JR) - Eu sou membro do Grupo de Física-Matemática e colaborador do Departamento de Matemática da FCUL. Consequentemente, interesso-me por Matemática e por Física. Ora um dos temas que estão muito presentes em ambas as áreas são os grupos de simetria. Eu sempre gostei de fazer desenho geométrico e sempre me interessei pelos azulejos e seus painéis e pela calçada portuguesa pela sua beleza, pela arte, e porque têm potencialidades científicas, estéticas e didáticas praticamente ilimitadas. Os azulejos são particularmente adequados ao estudo das simetrias; com muitas cópias de um só azulejo pode-se fazer painéis de grande beleza e com diferentes grupos de simetria; nessa tarefa podemos envolver estudantes de todas as idades que, assim, se iniciam na Ciência e na Arte; uma arte com tradições tão portuguesas, afinal.
Comecei a estudar, sistematicamente, os azulejos e as calçadas de Portugal e do Brasil há pouco mais de dois anos. Decidi concentrar-me apenas nestes dois países porque temos um património comum extremamente rico e original. Fiz inúmeros desenhos de azulejos e calçadas já existentes, como pode ser visto no meu blogue “Polýedros”, que constitui uma espécie de “diário”.
Há apenas uma influência que veio de fora, que é a do holandês M. C. Escher. Há muitos anos que admiro os seus desenhos periódicos com as suas simetrias das cores e das formas. Fiz dezenas de painéis de azulejos geométricos com uma matemática mais sofisticada a que dei o nome de “Variações em azulejos”. Um deles esteve exposto no Museu Soares dos Reis, no Porto, de 19 de janeiro a 24 de fevereiro, deste ano, no âmbito da exposição “Ciência e Arte”.
O que é que lhe agradou mais no trabalho que submeteu ao Projeto SOS Azulejo?
JR - Em junho ou julho de 2011 dediquei-me a estudar em pormenor o azulejo de 1966 de Eduardo Nery. Este artista plástico tem obras por toda a cidade de Lisboa como por exemplo os pavimentos e os azulejos da estação de metropolitano do Campo Grande, bem perto do FCUL.
Rapidamente me apercebi que este azulejo de 1966 de Eduardo Nery só podia ser bem compreendido pelo estudo sistemático das propriedades geométricas dos seus painéis; assim, desenhei dezenas deles. Descobri propriedades inesperadas e interessantíssimas que depois levaram à definição/descoberta dos “azulejos articulados”.
Foi então que pedi uma entrevista a Eduardo Nery iniciando assim uma relação intensa de trabalho e até de amizade. Além de ter tido com ele uma longa conversa no seu “atelier”, trocámos dezenas de mensagens. No final de 2011 enviou-me uma que dizia o seguinte: «Não me posso esquecer de si neste final de ano de 2011, em que o conheci pessoalmente e em que passámos a dialogar em torno de azulejos meus que eu julgava esquecidos. Fico à espera em 2012 pelo artigo que pretende publicar sobre esta sua investigação». Tudo isto foi um grande incentivo e motivo de satisfação pessoal. O seu falecimento inesperado, em 2 de março deste ano, foi uma grande e irreparável perda.
Este não foi um trabalho que realizei para o submeter a um concurso, embora tenha acabado também por concorrer. O que me motivou foi a curiosidade e o prazer que me dava. O “convívio” com Eduardo Nery constituiu um grande incentivo; esses momentos foram os melhores. Houve gente que me escreveu, e não só de Portugal, lamentando a sua partida, queixando-se da “falta” que ele lhes fazia. Eu sinto o mesmo.
O ter feito um trabalho que foi científico, artístico e que pode ter aplicações na indústria cerâmica, faz parte, sem dúvida, também, do que mais me agradou.
Venceu na categoria de inovação, o que tem a comentar sobre este reconhecimento?
JR - Entreguei muito material para concorrer aos ‘Prémios SOS Azulejo 2012’: artigos científicos, desenhos originais de painéis e azulejos, vídeos, tudo o que fiz relativamente à classificação matemática e à divulgação, e que está no blogue “Polýedros”. Assim, só o júri, presidido pelo professor Vítor Serrão, da Faculdade de Letras, poderá dizer, ao certo, o que achou mais relevante. Na minha opinião, a descoberta dos “azulejos articulados” pode ter sido o fator que mais contribuiu para a atribuição do prémio “abordagem inovadora”. Os prémios não tinham propriamente “categorias”, o regulamento era muito aberto a todas as candidaturas que aparecessem. Fiquei muito grato ao “Projeto SOS Azulejo” dinamizado pelo Museu da PJ cuja diretora é Leonor Sá.
Quer deixar alguma mensagem?
JR - Gostaria de exprimir o desejo de que o trabalho que realizei tenha continuidade, contribua para o desenvolvimento e a renovação da azulejaria em Portugal. Só ficará completo se tiver, também, aplicação prática, industrial. Penso que, aí, a FCUL poderá ter uma palavra a dizer.
E para quem quiser saber mais sobre este material, deixo aqui as referências que pode consultar: [1] Jorge Rezende: Periodical plane puzzles with numbers, 2011. http://arxiv.org/abs/1106.0953; [2] Jorge Rezende: A contribution for a mathematical classification of square tiles, 2012. http://arxiv.org/abs/1206.3661; [3] Jorge Rezende: Um simples azulejo, 2012. (artigo para um livro de Teresa Saporiti); [4] Jorge Rezende: O azulejo articulado de Eduardo Nery, 2012 (revisto em 2013). (artigo publicado pela SBM no âmbito do Projeto Klein de Matemática em língua portuguesa) http://klein.sbm.org.br/o-azulejo-articulado-de-eduardo-nery-jorge-rezende/o-azulejo-articulado-de-eduardo-nery-1/; Filmes: [5] The magic of a Eduardo Nery tile (2012); [6] The magic of articulated tiles 13b02 (2012); [7] The magic of articulated tiles 15b01 (2012-2013); [8] The magic of articulated tiles 14b02 (2012-2013); [9] Intervenção na cerimónia de entrega dos Prémios 'SOS Azulejo' 2012 http://www.youtube.com/user/polyedros?feature=results_main; [10] Blogue: http://polyedros.blogspot.pt/