Pela primeira vez foi encontrado um peixe só com genes do pai

“Só encontramos aquilo que procuramos”

O espanto foi muito, para ambos os investigadores: “não estávamos mesmo à espera de encontrar este indivíduo androgenético, porque a androgénese nunca tinha sido descrita em vertebrados, em condições naturais."

Imagem cedida por Miguel Morgado-Santos

Tudo começou em 2008 quando Miguel Morgado-Santos, agora doutorando de Ciências, definiu como objeto de estudo da sua tese de mestrado em Biologia da Conservação o peixe bordalo (Squalius alburnoides).

“Sabia que queria estudar o comportamento animal, mas não sabia que grupo escolher. O professor Luís Vicente apresentou-me o alburnoides. Li uma tese de doutoramento sobre este assunto e fiquei fascinado por este peixe.”, conta Miguel. E assim foi.

Rapidamente, a professora do Departamento de Biologia Animal de Ciências que estuda esta espécie desde o início dos anos 80, Maria João Collares-Pereira, aceitou o desafio para orientação do estudo.

“Descobri este complexo [Squalius alburnoides] em 1983. Estes animais são modelos interessantíssimos para estudar várias questões da biologia celular e evolutiva. Há vários complexos descritos no mundo, mas o nosso tem sido o mais estudado por ser extraordinariamente interessante do ponto de vista científico. E há muito ainda para descobrir”, explica a professora.

Afinal, porque é tão interessante o peixe bordalo?

O bordalo é um peixe que tem várias formas genéticas, de macho e de fêmea. Normalmente, as outras espécies são constituídas por machos e fêmeas que geneticamente têm poucas diferenças. O mesmo não acontece com o bordalo. Este peixe tem imensas diferenças genéticas: há vários tipos de machos e vários tipos de fêmeas. É, para além disso, um animal híbrido, originado pelo cruzamento natural entre duas espécies distintas.

Existem nos rios, não em todos mas em muitos do território nacional.

Normalmente, os híbridos são estéreis. Ou não se desenvolvem, ou desenvolvem-se mas não se reproduzem. Neste caso, tal situação não se verifica.

“A natureza arranja formas de ultrapassar todas as barreiras. A vida conseguiu arranjar uma alternativa para estes animais se reproduzirem sem ter que fazer aquilo que cria a esterilidade que é a meiose. Nos humanos, este mecanismo permite que se receba da parte dos pais um conjunto completo de 46 cromossomas - 23 da mãe + 23 do pai -, o que aqui não acontece. No bordalo estes conjuntos não conseguem fazer a divisão que exige um emparelhamento antes de reduzir a metade os cromossomas que existem nos gâmetas, porque são híbridos e os pares de cromossomas não se reconhecem. Foi por isso que a evolução arranjou maneira de ultrapassar esta barreira, eliminando a meiose convencional. Os bordalos fazem algo mais simples que permite que as células sexuais fiquem em condições para se juntarem e produzirem descendência viável e fértil”, explica Maria João Collares-Pereira.

O trabalho de mestrado do Miguel focou-se então no estudo do sucesso reprodutor do bordalo e na forma como este acontece. Durante o processo, analisou a preferência das fêmeas pelos machos. Os testes foram feitos em cativeiro com alguns cruzamentos no laboratório do cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais.

“O Miguel obteve resultados muito interessantes. Verificou que os vários tipos de fêmeas têm efetivamente preferência por determinados tipos de machos relativamente a outros, o que é particularmente interessante uma vez que a fertilização é externa - a fêmea “escolhe” esse macho para fertilizar os seus oócitos e a postura é feita no momento em que o macho liberta sobre os oócitos o esperma”, explica a professora.

Estatísticas do artigo

O Altmetric é uma plataforma que monitoriza a atenção que os artigos vão recebendo da comunidade científica e do público em geral seguindo vários indicadores como publicações no twitter , notícias que refiram o respectivo artigo, entre outros. A atenção que este artigo teve e está a ter já o situa no top 5% de todos os artigos monitorizados pela plataforma, que são quase oito milhões.

Contudo, “havia qualquer coisa que era preciso entender”. E o melhor estaria para vir, com a fase seguinte: o doutoramento focado no estudo dos mecanismos e da dinâmica reprodutora destas populações de peixes.

Na tese de doutoramento em Biologia, especialidade de Etologia, de Miguel Morgado-Santos, a equipa quis saber: que machos e fêmeas têm maior sucesso reprodutor e por isso contribuem mais para as gerações seguintes? Para isso, analisaram a descendência produzida numa determinada população, capturada no rio Ocreza, um afluente do Tejo.

A forma como o fizeram foi, como orgulhosamente a equipa define, única.

O acompanhamento destas populações de peixes cujas formas genéticas não se distinguem morfologicamente durante um período de tempo em contexto real, nos rios, é virtualmente impossível por inúmeras razões. Para este “problema”, a equipa inventou uma solução: no pátio de sua casa Miguel “fez” um lago com todas as condições para que tudo acontecesse naturalmente e ele pudesse observar os resultados. Em janeiro de 2016 foi ao rio, capturou os peixes e introduziu-os no lago.

 

 

À medida que o tempo passava, começou a ver alevins (peixes-bebés) a moverem-se dentro do lago e percebeu que tinha havido reprodução. Com a água a circular através de uma bomba instalada, e com o devido tratamento das algas ali existentes, os indivíduos permaneceram intocados durante dez meses, que incluíram a época normal de reprodução (março-junho).

“Aquilo que o Miguel fez foi brilhante. Ele criou as condições naturais para analisar a dinâmica reprodutora daquele conjunto de peixes. Sabia tudo sobre os 52 peixes adultos que ali passaram a viver, que formas tinham e o sexo. Tinha ainda em laboratório uma amostra genética de cada um”, explica a professora.

No final da primeira fase de desenvolvimento em contexto natural, em outubro, depois de esvaziado o lago, pais e filhos foram recolhidos para análise.

“O que nós fizemos aos filhos foram testes de paternidade, como se fazem aos humanos. Tinha amostras do DNA dos 52 pais, colhidas anteriormente, o que me permitiu determinar o pai e a mãe de cada um de cem indivíduos nascidos no lago, escolhidos aleatoriamente”, explica Miguel Morgado-Santos.

O peixe que mostrou ter apenas genes de pais apareceu aqui, no decurso desta experiência.

O comunicado de imprensa emitido pelo cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais refere que o estudo foi publicado na revista Royal Society Open Science. O mesmo pode ser encontrado aqui.

O espanto foi muito, para ambos os investigadores: “não estávamos mesmo à espera de encontrar este indivíduo androgenético, porque a androgénese nunca tinha sido descrita em vertebrados, em condições naturais. Ela já era conhecida artificialmente, na sequência de manipulação de peixes e/ou de gâmetas. Este é o primeiro caso natural”, explicam.

A contribuição genética da mãe no peixe agora identificado era apenas o ADN mitocondrial presente no oócito. De resto, o peixe revelou ser uma réplica exata do pai.

“Neste caso, não existem os cromossomas da mãe. O pai passou os 50 cromossomas presentes no espermatozoide e o indivíduo que se formou mantém os 50. Ou seja, só tem informação do pai e é um clone exato dele. O núcleo genético da mãe desapareceu”, explicam o investigador e a professora.

E este pai pode ser considerado um “super-macho” uma vez que fez 77% de todos os filhos daquele lago, com várias fêmeas, em posturas sucessivas. Nos outros casos, como explicaram os investigadores, todos os filhos eram triploides, tinham três conjuntos de cromossomas: 25 da mãe, e 50 do pai. Ou seja, um total de 75.

“Isto nunca se descobriria nas populações naturais. Já estudámos milhares de indivíduos e nunca encontrámos esta situação, porque não é possível sem testes de paternidade, e só é possível conhecendo especificamente o DNA da mãe e conhecendo o DNA do pai [o que o lago permitiu]. Há anos que lutamos contra esse estigma de que a hibridação nos animais não existe ou é totalmente irrelevante. Existe e quando existe é muito interessante e abre portas extraordinariamente importantes aos processos evolutivos tal como tem sido reconhecido em muitos grupos de plantas”, reforça Maria João Collares-Pereira.

A descoberta tem sido alvo de interesse de vários investigadores de todos os cantos do mundo, bem como da comunicação social. Na página de recortes de imprensa de Ciências pode encontrar os sítios onde o assunto foi também abordado.

“Só encontramos aquilo que procuramos”, defende a professora. Por isso, Miguel Morgado-Santos, continuará a procurar, para encontrar mais respostas científicas para as questões da biologia evolutiva.

Raquel Salgueira Póvoas, Área de Comunicação e Imagem
info.ciencias@ciencias.ulisboa.pt
Salão da Academia das Ciências de Lisboa

Em 2022 a Academia das Ciências de Lisboa elegeu para a sua Classe de Ciências novos membros efetivos e correspondentes nacionais. Entre eles estão os professores da Ciências ULisboa Fernando Ferreira, nomeado membro efetivo; João Duarte e Jorge Buescu, nomeados correspondentes nacionais.

salão nobre da Reitoria da ULisboa

Oito professores e investigadores da Ciências ULisboa foram agraciados com prémios e menções honrosas, na edição de 2022 dos Prémios Científicos ULisboa/Caixa Geral de Depósitos (CGD). Errata da notícia publicada em novembro.

vários barcos no mar

Cinco docentes e investigadores do IDL participaram no consórcio do projeto NAVSAFETY, cujo principal objetivo foi o desenvolvimento de uma plataforma digital de auxílio às entidades portuárias na gestão do tráfego marítimo. O projeto, coordenado pela Universidade de Aveiro, e financiado pelo programa Fundo Azul, terminou no mês de setembro.

três pessoas a assinar o protocolo

Ciências ULisboa celebrou um protocolo de cooperação com a Câmara Municipal de Lisboa, através do Regimento de Sapadores Bombeiros e do Departamento de Desenvolvimento e Formação. A assinatura do protocolo decorreu ontem, dia 19 de dezembro, nas instalações da Ciências ULisboa.

Boia na foz do estuário do Tejo

A Rede Portuguesa de Monitorização Costeira (CoastNet) integra o Programa da Década da Ciência dos Oceanos para o Desenvolvimento Sustentável 2021-2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) e representa Portugal neste programa da ONU. A CoastNet é uma infraestrutura de investigação do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE), da Ciências ULisboa e da Universidade de Évora.

aves a voar com mar em fundo

Estudo, da autoria de quatro investigadores da Ciências ULisboa, que aborda as alterações ambientais em zonas húmidas e os impactos no habitat de aves limícolas costeiras, foi publicado na revista Science of the Total Environment.

paisagem da caatinga

O Prémio Científico Mário Quartin Graça 2022, na categoria de Tecnologias e Ciências Naturais, foi atribuído a Ana Cláudia P. Oliveira, aluna do doutoramento em Biologia e Ecologia das Alterações Globais na Ciências ULisboa e investigadora do cE3c.

Estepe na Patagónia Argentina

Para avaliar o impacto do pastoreio nas regiões áridas do planeta, uma equipa internacional com mais de uma centena de investigadores, destaque para Alice Nunes e Melanie Köbel, investigadoras do cE3c Ciências ULisboa, aplicou, pela primeira vez, o mesmo método de análise em 25 países de seis continentes.

rua interior à Alameda da Universidade, na Faculdade de Ciências

A 16 de novembro de 2022 foi instalado um sensor de tubo, na entrada da rua de acesso ao edifício C7 (rua interior à Alameda da Universidade), que permite detetar a passagem de bicicletas e trotinetes. Esta instalação insere-se na atividade do projeto europeu Tr @ nsnet – Um modelo de Living Lab Universitário para a Transição Ecológica

Campus da Faculdade

A cerimónia de entrega dos Prémios Científicos ULisboa/Caixa Geral de Depósitos (CGD) 2022, acontece no próximo dia 28 de novembro, pelas 17h30, no Salão Nobre da Reitoria da ULisboa.

grupo de pessoas

Ciências ULisboa coordena projeto europeu Twinning em colaboração com a Universidade de Copenhaga, na Dinamarca, e a Universidade de Tel Aviv, em Israel, e em parceria com a Universidade de Cambridge, no Reino Unido. O objetivo é promover a investigação de excelência e a formação avançada em Bioquímica e Biofísica de Proteínas, com impactos e aplicações em Biomedicina e Biotecnologia.

Ibéria Medeiros

Ibéria Medeiros, professora do Departamento de Informática da Ciências ULisboa, é a protagonista do terceiro vídeo do projeto “Porquês com Ciência”, divulgado no YouTube da Faculdade a 3 de novembro.

estantes com livros e revistas na biblioteca do C4

"September 2022 data-update for 'Updated science-wide author databases of standardized citation indicators'” divulga as bases de dados com os nomes dos cientistas mais citados a nível mundial em 2021 e ao longo da carreira. Estas bases de dados publicadas recentemente pela Elsevier têm o contributo de John Ioannidis, professor da Universidade de Stanford, na Califórnia.

A Faculdade presta homenagem a Carlos Sousa Reis, antigo professor da Ciências ULisboa nos domínios da Ecologia Marinha, Recursos Vivos Marinhos, Pescas e Ordenamento do Litoral.

grande auditório no evento de 2021

“Este é um momento de celebração da qualidade da investigação e da inovação desenvolvidas na Ciências ULisboa, a ocasião ideal para a partilha de conhecimento e para o estabelecimento de colaborações", diz Margarida Santos-Reis, subdiretora da Ciências ULisboa para a área da investigação, a propósito do Dia da Investigação.

José Rebordão, Luís Carriço e Manuel Silva assinam o protocolo

A Faculdade e a FCiências.ID assinaram um protocolo de cooperação com a Cercal Power, uma sociedade da Aquila Clean Energy, a plataforma de energia renovável da Aquila Capital na Europa, dedicada ao desenvolvimento, construção e exploração da central fotovoltaica do Cercal, em Santiago do Cacém.

Imagem de um cérebro em fundo digital

"A linha de investigação em Filosofia da Inteligência Artificial e da Computação surgiu pela primeira vez em Portugal na Ciências ULisboa, nomeadamente, no Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa (CFCUL), com o intuito de contribuir para um debate que interessa à sociedade no seu todo", escrevem João L. Cordovil e Paulo Castro, investigadores do CFCUL Ciências ULisboa.

logotipo do projeto

O Gabinete de Apoio Psicológico (GAPsi) da Ciências ULisboa partilhou o primeiro episódio do podcast “Chá do Dia”, no passado dia 19 de setembro. O quinto episódio deste projeto inovador já está disponível na plataforma Spotify.

Estúdio da FCCN

João Telhada é um dos protagonistas do projeto "Porquês com Ciência", nomeadamente no vídeo “É seguro pagar online com cartão VISA?”, disponível no canal YouTube da Faculdade. Para o professor do DEIO Ciências ULisboa, “a cultura científica é um aspeto essencial no progresso e desenvolvimento de um país”.

grupo de pessoas

Tom Henfrey, Giuseppe Feola, Gil Penha-Lopes, Filka Sekulova e Ana Margarida Esteves publicam na Sustainable Development, no âmbito de relatório da rede ECOLISE, da qual Ciências ULisboa faz parte.

A Faculdade presta homenagem a Henrique Manuel da Costa Guimarães, antigo aluno e professor da ULisboa, especialista em investigação sobre o ensino da Matemática.

Estátua de Alfred Nobel com flores por detrás

Os seis Prémios Nobel 2022 são anunciados entre 3 e 10 de outubro. A poucos dias de conhecer as personalidades que serão distinguidas este ano, recordamos os laureados em 2021, com a ajuda de professores e cientistas da Faculdade. Entre na breve e conheça os laureados da Fisiologia/Medicina e Física.

 

rapariga com vento no cabelo a ouvir música

"Que poder é este da música? Ela tem mesmo uma ligação com as emoções? Apesar de existirem posições contraditórias, a literatura aponta que a música é capaz de induzir emoções", escreve Marta Esteves, psicóloga no GAPsi Ciências ULisboa.

Sara Magalhães no estúdio da FCCN

Sara Magalhães é professora do Departamento de Biologia Animal da Ciências ULisboa desde 2016 e investigadora do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c). “Os ácaros são assim tão feios, porcos e maus?” é o tema apresentado pela professora, que inaugura o projeto “Porquês com Ciência”.

mar

Nos dias 26 e 27 de setembro decorre na Ciências ULisboa o “Fórum Oceano: Atlântico, um bem comum, visões partilhadas franco-portuguesas”, uma iniciativa organizada pela Faculdade e pelo MARE, no âmbito da Temporada Portugal-França 2022.

Páginas