“Estou convicto de que este projeto contribuirá para colocar a História de Portugal na linha da frente da investigação histórica internacional”

Entrevista com Joaquim Alves Gaspar


Joaquim Alves Gaspar

Joaquim Alves Gaspar, de 67 anos, investigador pós-doutoral do Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (CIUHCT), acaba de ser distinguido com uma Starting Grant do Conselho Europeu de Investigação (ERC), a primeira a ser atribuída a um membro da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Na entrevista que se segue fica a conhecer o projeto “The Medieval and Early Modern Nautical Chart: Birth, Evolution and Use” alvo desta distinção, no valor de 1,2 milhões de euros, bem como o homem que pretende causar um impacto significativo na História da Cartografia, demonstrando a eficácia das suas ferramentas e ajudando a criar uma nova geração de cientistas nesta área.

Quando é que concorreu a esta call?

Joaquim Alves Gaspar (JAG) - A call Starting Grant fechou em novembro de 2015. Concorri na secção SH6: History of the Human Past.

Porquê?

JAG - Considerei, depois de incentivado pelos colegas próximos do CIUHCT, que o meu atual trabalho de investigação tinha todos os ingredientes necessários a uma proposta ganhadora. Por outro lado, reconheci que o grande prestígio das bolsas ERC daria uma enorme visibilidade internacional a esse trabalho, objetivo que sempre considerei essencial desde que iniciei o meu percurso científico, há cerca de 10 anos. Finalmente, considerei que a incerteza e modéstia do financiamento nacional dificilmente permitiriam concretizar, em tempo útil, aquilo que considero ser o propósito mais importante deste projeto: contribuir para a formação de uma nova geração de historiadores da Cartografia, capaz de abordar o estudo dos mapas antigos de forma multidisciplinar.

Como é que esta call funciona?

JAG - A call Starting Grants é aberta aos investigadores cujo doutoramento foi completado há menos de sete anos, que é o meu caso. A candidatura consiste na apresentação de dois documentos: o primeiro, com um máximo de 10 páginas, contém um resumo alargado do projeto e o currículo do proponente; o segundo, de cerca de 15 páginas, contém uma descrição detalhada do projeto, incluindo o orçamento e a descrição da equipa. O processo de avaliação tem duas fases: na primeira é somente apreciado o primeiro documento; na segunda, é avaliada toda a documentação e são também chamados especialistas externos. Os candidatos que passam à segunda fase são sujeitos a uma entrevista presencial, por todos os membros do painel de avaliação (cerca de 15). Esta entrevista consta de uma curta apresentação do projeto pelo candidato, a que se segue uma sessão de perguntas e respostas, que inclui as questões levantadas pelos especialistas externos. Tipicamente passam à segunda fase cerca de um terço das propostas. Destas, são aprovadas cerca de um terço. Isto é, a taxa global de aprovação é de cerca de 1/9 (11%). Mas os números não dizem tudo. Trata-se de um processo altamente competitivo e a qualidade média das propostas é muito elevada, tal como é reconhecido pelo presidente do ERC. Muitas instituições europeias, em particular universidades, promovem ativamente as candidaturas dos seus membros através de ações de formação e treino, e de apoio direto à elaboração das propostas. Este esforço reflete-se naturalmente nos resultados alcançados pelos respetivos países.

E o que é que implica?

JAG - A decisão de nos candidatarmos a uma bolsa ERC não deve ser tomada com ligeireza e concorrer só para experimentar não é uma boa ideia. Há que ter uma excelente ideia – capaz de “fazer pregar ao chão” a equipa de avaliação, como se diz no meio – , saber transformá-la numa proposta estruturada e, finalmente, convencer os avaliadores de que somos a pessoa ideal para a executar. Tudo isto implica uma enorme motivação e uma preparação longa e cuidada. Isto é, muito trabalho e muita humildade.

Demorei cerca de um ano a idealizar e redigir a minha proposta, durante o qual recebi o apoio de muitas pessoas, dentro e fora da Faculdade. Quero expressar aqui o meu reconhecimento particular a duas delas, cujo apoio considero decisivo para o seu êxito: ao professor Henrique Leitão, do Departamento de História e Filosofia das Ciências (DHFC) de Ciências, e ao professor Luís Oliveira Silva, do IST.

Qual é o montante que vai receber no âmbito desta bolsa?

JAG - O valor total da bolsa é cerca de 1,2 milhões de euros. A maior parte deste financiamento será utilizado no pagamento das bolsas de investigação, em missões ao estrangeiro e em algum equipamento.

Em que consiste o projeto submetido?

JAG - O projeto propõe-se resolver uma série de questões fundamentais em aberto na História da Cartografia, relativas à génese, evolução técnica e utilização das cartas náuticas medievais e do período pré-moderno. Este objetivo será concretizado através de técnicas inovadoras – análise cartométrica, modelação numérica e análise multiespectral das cartas – em complemento dos métodos tradicionais de investigação histórica. De entre as questões mais relevantes a esclarecer, destacam-se as seguintes: Quando, onde e como foram produzidas as primeiras cartas náuticas do Mediterrâneo (as cartas portulano)? Quando e como foram construídas pelos portugueses as primeiras cartas de latitude, na sequência da introdução da navegação astronómica? Como eram as cartas náuticas utilizadas a bordo?

Quando é que o projeto principia?

JAG - Na proposta submetida considerei que o projeto se iniciaria no início de 2017, mas não é seguro que tal venha a acontecer, dado o enorme trabalho administrativo de preparação que é ainda necessário realizar, pelo próprio ERC, por mim e pela Fundação da Faculdade.

Neste projeto não vai estar sozinho. Vai criar uma equipa. Como é que vai fazê-lo?

JAG - O projeto prevê a constituição de uma equipa de oito membros: o PI (principal investigator), o professor Henrique Leitão (senior researcher), dois investigadores pós-doutorais, dois estudantes de doutoramento e um gestor de projetos. Os investigadores pós-doutorais e os estudantes de doutoramento serão selecionados através de duas calls internacionais. Os estudantes de doutoramento ingressarão no programa doutoral do DHFC, findo o qual se dedicarão integralmente ao projeto. O recrutamento da equipa é uma fase particularmente sensível de todo o processo, uma vez que se pretende escolher candidatos com perfis e capacidades fora do comum, capazes de responder às exigências multidisciplinares do projeto.

Será desejável que os membros da equipa se sintam tão à vontade na interpretação de um manuscrito latino medieval como na utilização avançada de computadores ou na análise multiespectral de uma carta antiga. Isto é, não procuramos historiadores tradicionais mas sim aqueles capazes de vencer as barreiras interdisciplinares.

Que “trabalhos” é que serão realizados no âmbito deste projeto?

JAG - A atividade do projeto organiza-se em duas grandes áreas: o estudo das cartas antigas e o estudo das fontes textuais. São tarefas típicas do âmbito da primeira: o levantamento da informação textual das cartas (nomes geográficos, legendas); a análise geométrica das cartas, utilizando os métodos cartométricos que tenho vindo a desenvolver; a simulação do processo de construção de uma carta, através de um modelo numérico, tendo em conta as descrições da época; e o exame físico das cartas utilizando métodos de análise multiespectral, com o objetivo de revelar informação ilegível, e detetar marcas de construção e uso. No âmbito da segunda área serão analisadas fontes textuais medievais e do período pré-moderno, incluindo portulanos medievais, livros de marinharia ibéricos, roteiros e diários de navegação. Os resultados que irão sendo alcançados ao longo do projeto serão divulgados a nível internacional através de publicações, organização e participação em conferências e uma exposição pública, no final. Pretende-se ainda preparar um livro em coautoria, a submeter a uma editora internacional de referência.

Quais são as suas expetativas, para a unidade de investigação em que está inserido e para a Faculdade?

JAG - A minha maior expetativa é causar um impacto significativo na disciplina, a História da Cartografia, abrindo áreas promissoras de investigação e integrando-a mais estreitamente na História das Ciências. Isso será conseguido demonstrando à comunidade internacional a enorme eficácia das ferramentas que tenho vindo a desenvolver, e também, ajudando a criar uma nova geração de historiadores da Cartografia, preparados para abordar o estudo dos mapas antigos de uma forma multidisciplinar. Em termos nacionais, gostaria de acreditar que a concessão de uma bolsa ERC a um historiador das ciências irá bastante além das notícias de jornal. Estou convicto de que este projeto contribuirá para colocar a História de Portugal na linha da frente da investigação histórica internacional, objetivo que tem sido prosseguido de forma sistemática pelo CIUHCT, muito em particular pelo grupo liderado pelo professor Henrique Leitão. Nesse sentido, os resultados do projeto irão corroborar e complementar, no âmbito das Ciências Náuticas e Cartografia, o que tem vindo a ser demonstrado sobre o enorme contributo dos portugueses para o conhecimento científico do mundo, na época dos Descobrimentos e expansão marítima. A um nível mais imediato, espero que este êxito sirva de estímulo aos investigadores desta faculdade, convencendo-os de que a atribuição de uma bolsa ERC está, afinal, ao nosso alcance. Tendo consciência de que esta é a primeira bolsa ERC alguma vez atribuída à nossa faculdade, quero manifestar a minha disponibilidade para ajudar os seus órgãos a promover iniciativas semelhantes.

Está feliz, certamente. O que é que lhe vai na “alma” e que possa e queira partilhar com o público em geral?

JAG - Compreendo agora bem por que razão os ganhadores de prémios ou projetos importantes insistem em referir a responsabilidade que eles trazem consigo.

À mistura com a enorme satisfação de ver o valor do meu trabalho reconhecido a tão alto nível, é o peso dessa responsabilidade que agora sinto.

Ana Subtil Simões, Área de Comunicação e Imagem de Ciências
info.ciencias@ciencias.ulisboa.pt
Campo com árvores de fruto e hortícolas

O projeto GrowLIFE - coordenado pela Ciências ULisboa, FCiências.ID - Associação para a Investigação e Desenvolvimento de Ciências e Turismo de Portugal é financiado pelo Programa para o Ambiente e a Ação Climática (LIFE) no valor de €1.452.673,00 - e arranca em junho de 2023, tem uma duração de cinco anos. O resultado da candidatura coordenada pela Caravana AgroEcológica foi conhecido em abril deste ano e o contrato foi assinado em agosto.

Cientista no laboratório

Em 2022, 134 investigadores doutorados ligados a unidades de investigação da Faculdade submeteram candidaturas à 5.ª edição do Concurso de Estímulo ao Emprego Científico – Individual, tendo sido atribuídos 23 contratos de trabalho. Em quatro edições deste concurso, 714 investigadores doutorados com ligações a unidades de investigação da Faculdade apresentaram candidaturas, tendo sido atribuídos 71 contratos de trabalho.

Paleontólogos em escavação

Uma equipa de paleontólogos portugueses e espanhóis conduziu, entre 1 e 10 de agosto de 2022, uma campanha de escavação na jazida paleontológica de Monte Agudo que resultou na extração de parte do esqueleto fossilizado de um dinossáurio saurópode de grande porte.

oceano, areia, palmeiras e barcos

"A revista npj Ocean Sustainability está particularmente interessada em investigação que incida sobre as interligações existentes entre ciência, política e prática, bem como abordagens sistemáticas, soluções transformativas, e inovação para suportar a sustentabilidade do oceano a múltiplos níveis!", escreve Catarina Frazão Santos, editora-chefe, convidada em setembro de 2021 para fundar a revista.

Participantes do simpósio no grande auditório da Faculdade

O primeiro Simpósio Internacional de Catálise Homogénea aconteceu nos EUA há 44 anos. A vigésima segunda edição ocorreu este ano em Portugal, na Ciências ULisboa. A próxima edição está marcada para 2024, em Itália. Este importante acontecimento tem contribuído para o desenvolvimento da Catálise Homogénea.

graficos, lupa e oculos numa mesa

Maria Zacarias, investigadora do Centro de Estatística e Aplicações da Universidade de Lisboa, escreve uma crónica sobre a última edição do “Sê Investigador por Três Semanas”, na qual dá a conhecer a opinião de quem participou na iniciativa que durante três semanas, possibilitou que alunos de licenciatura e de mestrado pudessem trabalhar de perto com investigadores e observar a transversalidade da Estatística.

coelho-bravo

A equipa do projeto do Livro Vermelho dos Mamíferos, que está a trabalhar na revisão do estatuto de ameaça e estado de conservação destas espécies em Portugal, realizou uma “compilação inédita” de dados de ocorrências georreferenciados de mamíferos em Portugal Continental e nos Açores e Madeira.

pessoas sentadas a escrever ao computador e em post its

Decorreu de 11 a 15 de julho na Ciências ULisboa a WideHealth Summer School sob o tema “Human Factors in Pervasive Health”. O evento foi organizado pelo LASIGE, tendo acolhido participantes de toda a Europa.

rapariga no laboratorio

Já são conhecidos os resultados do Concurso de Projetos de I&D em Todos os Domínios Científicos de 2022, da FCT. Do total de projetos aprovados para financiamento, 33 contam com a participação da Ciências ULisboa.

grupo de alunos do programa

"Na Ciências ULisboa temo-nos esforçado ao longo dos anos para desenvolver um programa que trará uma semana inesquecível a estes jovens", escreve Ana Sofia Santos, monitora central do Verão na ULisboa, no artigo de opinião sobre o programa.

rapariga a rir

"A ideia de que o sentido de humor pode facilitar o ajustamento, a gestão e a regulação emocional parece ter bastante fundamento. Mas, como, onde e como entram os limites do humor nesta questão?", escreve Samuel Silva, psicólogo no GAPsi Ciências ULisboa.

Instalações do Quake

Os cientistas Susana Custódio e Luís Matias escrevem sobre o Centro do Terramoto de Lisboa, que nasceu de uma vontade de contar a fascinante história do sismo de 1755. A Faculdade e o IDL Ciências ULisboa são parceiros do Quake. 

mar

Novo artigo científico publicado na Frontiers in Marine Science alerta para a necessidade de uma visão global para o oceano no acordo internacional atualmente em elaboração no quadro das Nações Unidas. Artigo conta com a participação de dois professores e investigadores da Ciências ULisboa.

imagem ilustrativa do prémio

O Prémio DHFC 2021 foi atribuído a Daniele Molinini, investigador do CFCUL, membro do grupo de investigação Filosofia das Ciências Formais, Metodologia e Epistemologia.

Hugo Duminil-Copin

"Hugo Duminil-Copin é um físico-matemático que trabalha em teoria das probabilidades. Um daqueles que, durante os vinte últimos anos, regressou à fonte histórica de inspiração das matemáticas, a física teórica", escreve Jean-Claude Zambrini, professor do DM Ciências ULisboa, no ensaio dedicado ao matemático galardoado com a medalha Fields.

posters afixados

“Jovens investigadores” é o projeto da EBS Alfredo da Silva, no Barreiro, que permite aos alunos estabelecerem uma relação de proximidade com professores e investigadores do ensino superior, nomeadamente da Ciências ULisboa.

Pessoa a trabalhar na FCULresta

Já existem mais três miniflorestas plantadas na AML e muitas outras estão a germinar. “A FCULresta cumpre assim um outro objetivo, o de inspirar e apoiar a plantação de mais florestas urbanas biodiversas”, escrevem David Avelar, António Alexandre e Diogo Mendes.

June Huh

"O que motiva June Huh é a busca da beleza na Matemática, e a descoberta de ligações entre diferentes áreas desta disciplina", escreve Carlos A. A. Florentino, professor do DM Ciências ULisboa, no ensaio dedicado ao matemático galardoado com a medalha Fields.

Alina Shchepetkina com outra investigadora

A expedição South Atlantic Transect II (IODP 393) zarpou a 11 de junho de 2022 da Cidade do Cabo, na África do Sul, e tem uma duração de 61 dias. A equipa a bordo tem cientistas de várias partes do globo na expectativa de obter respostas para algumas questões apaixonantes e relacionadas com alterações nos ambientes da Terra durante os últimos 61 milhões de anos. Uma dessas cientistas é Alina Shchepetkina, investigadora do Instituto Dom Luiz da Ciências ULisboa.

Membros da direção da Faculdade, Conselho de Escola e Reitor da ULisboa

Luís Carriço, professor do Departamento de Informática e investigador do LASIGE, tomou posse como diretor da Ciências ULisboa, esta quarta-feira, dia 20 de julho, numa cerimónia que juntou vários membros da Faculdade e Universidade, na sala de atos, sita no edifício C6. A boa disposição imperou no ato solene, durante o qual os professores Margarida Santos-Reis, Hugo Miranda, Jorge Relvas, Maria João Gouveia e Pedro Almeida foram indigitados subdiretores da Faculdade.

ímanes moleculares

Nuno A. G. Bandeira, investigador do DQB e do BioISI Ciências ULisboa, escreve sobre um estudo, que constitui um marco na evolução do conhecimento e na busca de melhores materiais para aplicação na spintrónica e computação à escala quântica.

Foto do instrumento NIRPS

O espectrógrafo NIRPS, a sigla inglesa para Near-Infrared high resolution spectrograph, ou espectrógrafo no infravermelho próximo de alta resolução, cujo desenvolvimento e construção contou com a participação do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), observa na banda do infravermelho, no Telescópio ESO de 3,6 metros do Observatório de La Silla, no Chile, complementando assim espectrógrafos como o HARPS e o ESPRESSO. 

fundo marinho

Novo artigo publicado na Nature Ecology and Evolution, por uma equipa de 30 investigadores de todo o mundo, da qual fazem parte dois investigadores portugueses com ligação à Ciências ULisboa, resulta da consulta prévia de cerca de 680 especialistas e outros profissionais ligados ao meio marinho.

Anfiteatro no C8 e paryicipantes do evento

"A Conferência Internacional Hi-Phi teve um sucesso muito para além do expectável e mostrou a vitalidade do diálogo entre a História e a Filosofia das Ciências", escrevem Ana Duarte Rodrigues e João L. Cordovil, coordenadores científicos respetivamente do CIUHCT e do CFCUL, na crónica sobre o importante acontecimento.

3 alunos no labotarório

Dois anos depois de um interregno, “Ser Cientista” está de volta de 25 a 29 de julho e propõe a jovens alunos que experimentem a “vida” de um investigador.

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