Há cerca de 15 anos, Graça Fialho, atualmente professora aposentada do Departamento de Biologia Vegetal e membro do BIOFIG - Centro para a Biodiversidade, Genómica Funcional e Integrativa, passou a dedicar grande parte do seu tempo à problemática da surdez genética.
“O nosso interesse pela área da surdez hereditária e pelo estudo das causas genéticas subjacentes surgiu em 1998. Nessa altura, tinha já iniciado dois anos antes uma linha de genética humana, a minha paixão de sempre, e abandonado a genética microbiana, através da qual penetrara nos segredos da genética molecular e obtivera o meu doutoramento”, conta.
O primeiro projeto da equipa incidiu sobre a diversidade genética da população portuguesa. Já nessa ocasião os investigadores pretendiam que os seus estudos pudessem também contribuir para o diagnóstico molecular de doenças que afetassem a população.
Foi através de Margarida Amaral, professora do Departamento de Química e Bioquímica e atual coordenadora do BioFIG-FCUL, que o grupo dirigido por Graça Fialho tomou conhecimento do vazio existente em Portugal relativamente à surdez hereditária, sobretudo numa altura em que já decorria na Europa uma “Concerted Action on Genetics of Hearing Impairment”. Depois de uma primeira conversa com Mário Andrea, diretor do Departamento de ORL, Voz e Perturbações da Comunicação do Hospital de Santa Maria, a decisão estava tomada. E foi “amor à primeira vista” que veio para ficar…
A colaboração com o Hospital de Santa Maria estendeu-se entretanto a outras unidades hospitalares, das quais se destacam o Hospital Egas Moniz, o Hospital D. Estefânia, o Hospital Garcia de Orta e o Hospital Pediátrico de Coimbra, o que tem permitido analisar um amplo espectro de crianças e jovens afetados com surdez.
Atualmente, Graça Fialho coordena o Grupo de Surdez da Unidade de Genética Molecular Humana do BIOFIG-FCUL e nesse sentido refere que têm tido “a oportunidade de orientar diferentes estágios de licenciatura, cursos de especialização e teses de mestrado de alunos da FCUL. Foi já concluída uma tese de doutoramento, e uma 2.ª está em fase de redação”.
A primeira tese de doutoramento realizada em Portugal na área da genética da surdez foi defendida por Tiago Matos, em 2012, na Universidade de Lisboa. Graça Fialho e David Kelsell, da Queen Mary University of London, foram os orientadores do aluno.
Para Graça Fialho, “o trabalho de investigação que Tiago Matos realizou no âmbito desta tese foi pioneiro em Portugal, pois fez parte da primeira etapa do estudo da surdez genética em famílias Portuguesas. O Tiago deu sobejas provas das suas capacidades durante o estágio de licenciatura e no ano que se seguiu, em que continuou como membro do nosso grupo, antes de iniciar o doutoramento. Não é por isso de estranhar que tenha cinco artigos como 1.º autor, três como coautor e mais de 20 comunicações, das quais 12 como 1.º autor”.
Antes de concluir o doutoramento com distinção e louvor, Tiago Matos frequentou a licenciatura em Biologia Microbiana e Genética na FCUL, terminando o programa de estudos, com a média final de 16 valores.
O jovem, que já publicou uma série de artigos como primeiro autor em revistas internacionais da especialidade e em publicações no âmbito de encontros científicos, tendo sido orador em algumas delas, ganhou em 2009 o Prémio Amândio Sampaio Tavares, por ter apresentado a melhor comunicação oral durante as XXXIV Jornadas de Genética, em Lisboa.
Como acontece com muitos estudantes, quando terminou a bolsa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), o pagamento de propinas passou a ser uma fonte de preocupação, por isso enquanto redigia a tese, começou a trabalhar na PT Call Center. “Felizmente, graças ao empenho da atual Direção da FCUL, situações como a do Tiago acabaram por ter um enquadramento no Despacho D/107/2012, que muito ajudou à sua resolução”, explica Graça Fialho.
Neste momento, Tiago Matos aguarda pelos resultados da audiência prévia para poder apresentar recurso à FCT relativamente à sua candidatura à bolsa de pós-doutoramento. O jovem continua a trabalhar com o grupo BIOFIG e só sairá de Portugal em último recurso. No passado dia 26 de fevereiro, foi o orador, juntamente com Graça Fialho, de uma das sessões de Fronteiras da Investigação em Biologia intitulada “Os Genes do Silêncio”. Este tema será analisado em mais duas sessões a ocorrer nos dias 5 e 12 de março.
Sons da FCUL
Tiago Matos fala sobre o seu doutoramento, as oportunidades de financiamento que na sua área de investigação são insuficientes, comentando ainda a conferência proferida na FCUL por Karen Avraham.
No final do ano passado, Karen Avraham, professora na Sackler Faculty of Medicine Tel Aviv University e uma das mais destacadas cientistas a nível mundial na área da genética da surdez, esteve na FCUL, para falar sobre os progressos no diagnóstico da surdez hereditária, na sequência dos novos métodos de sequenciação do genoma, bem como sobre o papel crucial dos Micro-RNAs (miRNAs) na regulação de genes importantes no desenvolvimento e função do ouvido interno.
“A brilhante conferência proferida na FCUL constituiu mais uma oportunidade de divulgar, sobretudo junto dos alunos, o que está ser feito nesta área em todo o mundo, e os extraordinários avanços conseguidos na última década”, menciona Graça Fialho explicando as mais-valias dos novos métodos de sequenciação (Next Generation Sequencing), que permitem sequenciar centenas de genes de uma só vez. “Esta nova tecnologia está a revolucionar o diagnóstico genético, proporcionando uma maior qualidade nos cuidados a prestar aos portadores de surdez devido à rapidez com que os resultados podem ser obtidos e ao menor custo dos testes, comparativamente com os métodos ainda correntemente utilizados em todo o mundo. Em particular, para as crianças com surdez congénita estes avanços são extraordinariamente importantes. Tanto a aquisição da linguagem, como a aprendizagem da leitura e o desenvolvimento cognitivo estão intimamente ligados à audição, pelo que o diagnóstico precoce é essencial para definir a terapia ou as opções de reabilitação”, enfatiza Graça Fialho.
Sons da FCUL
Karen Avraham foi conferencista convidada do “48th Inner EarBiology Workshop 2011” realizado em Lisboa. O ano passado voltou a estar na FCUL a convite do Grupo de Surdez. Ouça a entrevista com a cientista que esteve envolvida na descoberta de vários dos genes implicados na surdez hereditária humana - "os genes do silêncio".
A presença da reputada cientista na FCUL demonstra um particular interesse pelo trabalho que vem sendo desenvolvido na Faculdade. O encontro permitiu também analisar a possibilidade de desenvolver projetos em parceria com o Grupo de Surdez aqui sediado. Os investigadores portugueses esperam que a experiência de Karen Avraham possa ajudar a suprir algumas das lacunas resultantes do deficiente financiamento que tem sido atribuído aos projetos submetidos nesta área.
Para já, a equipa portuguesa foi convidada a integrar um projeto europeu, na qual participam cinco instituições de cinco países. A pre-proposal foi submetida no final de janeiro. Paralelamente, no final de 2012, a FCT aprovou o projeto “Suscetibilidade Genética e Impacto Social da Surdez associada à Idade”, uma investigação coordenada por Helena Caria, investigadora do BIOFIG-FCUL e que inclui a participação do Instituto de Ciências Sociais da UL, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e do Centro Hospitalar de Coimbra.
Cerca de 400 famílias portuguesas afetadas com surdez hereditária já foram analisadas pelo Grupo de Surdez do BIOFIG-FCUL. Os investigadores continuam apostados em prosseguir o trabalho pioneiro, não só em surdez hereditária mas também em surdez induzida pelo ruído e surdez associada à idade.