O colapso dos insetos

Insetos – “The little things that run the World

E.Wilson, 1987

José Alberto Quartau
Imagem cedida por JAQ

Os insetos atuais, que se estima totalizarem entre cinco a dez milhões de espécies, constituem os macrorganismos terrestres com maior sucesso evolutivo, sendo cruciais para o normal funcionamento dos ecossistemas. Sobreviveram, renovando-se, às extinções em massa, estão no centro das cadeias tróficas, mantêm e regulam as populações da maioria das plantas pela polinização e pela fitofagia, e, entre outras funções, estão ainda envolvidos na reciclagem da matéria orgânica. São, assim, peças fundamentais para a manutenção da vida tal como hoje a conhecemos.

     Porém, apesar da sua dominância em biodiversidade, resiliência evolutiva e cruciais funções ecológicas, paradoxal e surpreendentemente os insetos parecem hoje enfrentar a maior extinção de sempre. Se bem que algum decréscimo populacional se tenha revelado já em meados do século passado, é ultimamente que têm sido cada vez mais frequentes e alarmantes os alertas sobre o declínio silencioso mas galopante das suas comunidades a nível mundial. Entre muitas notícias de teor catastrófico, que têm surgido nos media, o New York Times resumiu  esta matéria num explícito e preocupante título: “The Insect Apocalypse Is Here”.

     Com efeito, múltiplas observações conduzidas nos dois  últimos decénios, têm mostrado que as comunidades de insetos estão a diminuir rapidamente e em proporções alarmantes em todas as áreas geográficas, calculando-se que cerca de 40% da entomofauna mundial esteja atualmente em declínio e cerca de um terço das espécies esteja ameaçado. Por exemplo, na Alemanha a biomassa da sua entomofauna tem decaído abrupta e consideravelmente, incluindo os polinizadores como as abelhas, as borboletas e os sirfídeos. Mesmo as reservas naturais alemãs não foram poupadas, como cientistas da Universidade Técnica de Munique e do Instituto Entomológico de Senckerberg denunciaram. Nas palavras do diretor deste Instituto, Thomas Schmitt, que foi aluno Erasmus nesta Faculdade, “Our study reveals, through one detailed example, that even official protection status can’t really prevent dramatic species loss.”

     Em Inglaterra, a Zoological Society of London publicou há  algum tempo um estudo que igualmente concluia que os insetos estavam em declínio severo, afetando as populações de muitos vertebrados, bem como os serviços prestados pelos ecossistemas, de que se releva a polinização.

     Também no nosso país a perda na biomassa dos insetos tem sido até constatada pelo público em geral, através  do chamado windscreen phenomenon, i.e., a quantidade de insetos mortos e aderentes aos pára-brisas dos automóveis e que marcadamente tem vindo a diminuir. De facto, a nossa entomofauna está a regredir um pouco por toda a parte, como mostram observações em diversos grupos, para além das abelhas. Como alertámos algures (**), no que respeita à nossa entomofauna florestal, “...thousands of insect species associated with the ground, herbaceous and bush layers are being put under the risk of extintion”. Por exemplo, em cigarras e afins (Cicadomorpha), insetos considerados bons indicadores ecológicos e de que tenho dados coligidos ao longo dos últimos decénios, é manifesto o seu declínio. Euryphara contentei Boulard, 1982, hoje reduzida a populações vestigiais em biótopos muito localizados no Alentejo, é uma das espécies mais ameaçadas no nosso país. Também Tettigettalna mariae (Quartau & Boulard, 1995), cigarra que só existe praticamente na área central do Algarve, tem perdido efetivos populacionais consideráveis nas últimas décadas, à semelhança de outras cigarras de distribuição localizada.

     Para além da Europa, praticamente em todos os continentes a abundância e diversidade dos insetos está também a declinar consideravelmente. Mesmo nas florestas tropicais, como revela um estudo em Porto Rico publicado nos Proceedings of the National Academy of Sciences, também a biomassa tem diminuído significativamente nos insetos (bem como em miriápodes e aracnídeos). Como seria de esperar, por um efeito em cascata, tais perdas refletem-se também em declínios populacionais dos predadores, como répteis, batráquios e aves.

     Porquê este declínio? Fundamentalmente é um fenómeno decorrente das nossas práticas agrícolas ecologicamente ofensivas (monocultura intensiva), por regra com o recurso abusivo a pesticidas e herbicidas, que eliminam não só as espécies alvo mas indiscriminadamente todos os insetos e a maioria das flores selvagens. Equivalente situação acontece com o meio florestal, onde o solo e os estratos herbáceo e arbustivo do subcoberto, de grande riqueza em biodiversidade entomológica, têm sido igualmente atingidos por práticas desadequadas, nomeadamente pela luta química, sobrepastoreio e lavragens ou remoções exageradas (*,**).

     A estas práticas agro-silvícolas agressivas, há a acrescentar a urbanização intensa e desordenada, para além das alterações climáticas, tudo isto, enfim, conduzindo à destruição do habitat e dos recursos para a sobrevivência dos insetos.

     A gravidade deste problema global é que os insetos estão na base da sustentabilidade dos ecossistemas terrestres, que tantos serviços nos prestam a preços nulos. Só a polinização pelos insetos é responsável por mais de um terço na produção agrícola mundial e pela sobrevivência de mais de 90% das plantas selvagens. Isto significa que o presente depauperamento em curso da biomassa entomológica, a não ser travado, poderá despoletar uma catástrofe ecológica mundial, que certamente nos afetará gravemente através de repercussões económicas e sociais inimagináveis.

     Por tudo isto, são urgentes medidas corretivas que impeçam este desastre ecológico verdadeiramente mundial. Para além duma eficaz sensibilização do público, e residindo as principais causas deste problema nas atuais práticas agrícolas e silvícolas abusivas, como atrás se refere, urge alterar drasticamente tais procedimentos, de modo a torná-los amigos do ambiente. A agricultura biológica deve ser encorajada e generalizada, a par da manutenção de mosaicos de vegetação natural, bem como uma gestão florestal que não ponha em risco a biodiversidade associada ao solo e aos estratos herbáceo e arbustivo (*, **).

     Torna-se urgente e imperativo travar e reverter todo este processo de destruição. Amemos ou odiemos os insetos, o certo é que será difícil sobrevivermos sem eles.

Referências:
(*) Quartau, J.A. (2009). Preventative fire procedures in Mediterranean woods are destroying their insect Biodiversity: a plea to the EU Governments. Journal of Insect Conservation, 13:267-270. DOI 10.1007/s10841-008-9177-y.
(**) Quartau, J.A. & Mathias, M.L. (2010). Insects of the understorey in Western Mediterranean forest landscapes: a rich biodiversity under threat: In Harris, E.L. & Davies, N.E. (eds.). Insect Habitats: Characteristics, Diversity and Management, pp.: 133-142. Nova Science Publishers, Inc. New York, 203 p.

José Alberto Quartau, professor do Departamento de Biologia Animal e investigador do cE3c do polo de Ciências ULisboa
info.ciencias@ciencias.ulisboa.pt

O que fazem e o que pensam alguns membros da comunidade de Ciências? O último Dictum et factum de 2016 é com Paulo Silva, técnico superior do Departamento de Física de Ciências.

O QTLeap—Quality Translation by Deep Language Engineering Approaches chega ao fim, mas a investigação em tradução automática continua. Leia a curta entrevista com António Branco, professor do Departamento de Informática de Ciências e coordenador deste projeto, iniciado em novembro de 2013.

“A Onda da Nazaré: um estímulo para a aprendizagem” é financiado pelo Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu (EEA Grants) e explica de forma simples e recorrendo a curtas animações os processos associados à existência da maior onda surfada em todo o mundo. 

O curso de Química Tecnológica celebra em 2017 os 35 anos da saída dos seus primeiros licenciados pelo que as próximas “Jornadas QT” realçarão esta efeméride.

Nos últimos anos da troika (2011-2015), a importância da Filosofia foi bastante apreciada, em particular a nível internacional. Este período não foi bom para Portugal, sobretudo porque os jovens licenciados foram colocados de lado e sem trabalho, os sem emprego (ou bolsa), os precários (com vencimento à hora de ocupação, os temporários, sem férias, direitos de saúde...), e os que estavam a mais (e, forçados a emigrar) juntaram a sua indignação e protestaram. Nem sempre com resultados bem visíveis e de pressão real sobre o poder.

A União Europeia das Geociências atribui anualmente um prémio que reconhece atividade científica de exceção a nível mundial, realizada por cientistas desta área na fase inicial da carreira. Este galardão foi atribuído pela primeira vez a um investigador a trabalhar em Portugal. João Duarte é investigador do Instituto Dom Luiz e do Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e recebeu este prémio pelo seu trabalho na área da Geologia Marinha e Tectónica, bem como pela sua atividade na área da divulgação científica. 

Nos próximos cinco anos, Sara Magalhães vai explorar um sistema biológico composto por duas espécies de ácaro-aranha, Tetranychus urticae Tetranychus ludeni, que competem por um alimento - a planta do tomate, no âmbito do projeto “COMPCON - Competição sob construção do nicho”, com início previsto para maio de 2017 e desenvolvido em colaboração com investigadores da Universidade de Montpellier, em França.

Aplicações médicas e industriais a partir de organismos que produzem bioadesivos... Sim, é possível. No âmbito de uma Ação COST, a Rede Europeia de Especialistas em Bioadesão, trabalha para criar novos produtos.

O tempo tem demonstrado ser possível avançar na criação de mais e melhores condições de equidade para os alunos com Necessidades Educativas Especiais. Mas este é um desafio permanente para as instituições de ensino, como também o é para cada um de nós e a cada momento, num permanente processo de implicação pessoal em prol de algo que tanto prezamos: a igualdade de oportunidades.

Num desporto o treino é comum e faz parte de um plano para conseguir os melhores resultados, estimulando as capacidades físicas a superarem os desempenhos. Mas, também se podem treinar as mentes para fazer ciência.

O dia-a-dia de Luis Filipe Lages Martins divide-se entre a atividade de investigação em Metrologia com aplicação na Engenharia Civil e a gestão laboratorial da Unidade de Metrologia Aplicada do LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil. O primeiro estudante a obter o grau de doutor em Engenharia Física pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa nasceu em Lisboa e aos 34 anos acaba de ser distinguido com o Prémio Inovação em Metrologia.

Luís Filipe Lages Martins, bolseiro de pós-doutoramento do LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil, é o vencedor da 1.ª edição do Prémio Inovação em Metrologia da Sociedade Portuguesa de Metrologia (SPMet).

Em parceria com a Universidade de Lisboa e outras instituições que lecionam o curso de Química, a Sociedade Portuguesa de Química atribui prémios de mérito aos alunos com melhores resultados alcançados nesta área científica.

O que fazem e o que pensam alguns membros da comunidade de Ciências? O 11.º Dictum et factum é com Aurora Sardinha, assistente técnica do Tec Labs – Centro de Inovação de Ciências.

Já só faltam dois eventos para a digressão Ignite IAstro terminar. Amanhã acontece um deles, na Covilhã, o último irá ocorrer na Guarda, a 3 de dezembro.

Onde estou? Para onde vou? As células do lugar ajudam-nos a cartografar (guiar) as nossas viagens no mundo, e constituem uma espécie de andaime espaço/temporal/cerebral que suporta a memória autobiográfica. Como o cérebro computa? Não é com Java, mas com um outro tipo de linguagem ainda a descobrir. O caminho para a compreensão dos códigos neuronais da cognição está aberto, e o desafio está lançado simultaneamente à Biologia, à Ciência da Computação e à Filosofia.

capa do livro

A banda desenhada "Reportagem Especial - Adaptação às Alterações Climáticas em Portugal" é lançada em Ciências esta segunda-feira, 7 de novembro de 2016, pelas 17h00, no auditório da Fundação da Faculdade, sito edifício C1, piso 3.

A ciência contemporânea enfrenta um conjunto de novos desafios que podem limitar a sua legitimidade, o seu valor e alcance. Estas notas abordam alguns destes riscos tentando apontar possíveis caminhos para os ultrapassar.

O ESPRESSO vai permitir descobrir planetas semelhantes à Terra, estudar a variabilidade das constantes fundamentais da Física e será essencial para complementar os dados da missão espacial PLATO.

Faleceu recentemente, com 95 anos, Ricardo Augusto Quadrado. Foi um professor de Cristalografia e Mineralogia da FCUL, e da Universidade da Madeira, extremamente marcante para quantos tiveram o privilégio de com ele privar. 

“Ainda há muito para fazer”, responde Nuno Araújo, quando questionado quanto ao futuro desta investigação, que dá um passo significativo num dos maiores desafios da Física da Matéria Condensada e que diz respeito ao desenvolvimento de técnicas experimentais, económicas e eficazes, capazes de sintetizar as estruturas desejadas de forma espontânea.

“O mergulho científico não se reduz à Biologia (…). Se estás interessado em fazer mergulho científico, esta é uma ótima oportunidade para dares os primeiros passos”, esta é a mensagem em jeito de convite do Núcleo de Mergulho Científico de Ciências ULisboa para alunos, professores, investigadores e outros funcionários de Ciências.

Os cientistas João C. Duarte, Filipe M. Rosas e Wouter P. Schellart apresentam o novo supercontinente chamado Aurica.

As florestas de Madagáscar estão em risco, mas um estudo publicado online na revista “Biological Conservation” demonstra que as áreas protegidas da ilha estão a ser eficazes no combate à desflorestação.

Pela primeira vez uma cientista portuguesa é a presidente eleita da European Society for the History of Science.

Páginas