Por M. Luísa Sousa (CIUHCT, DCSA FCT NOVA).
No início do século XX, os urbanistas e outros especialistas propuseram abordar o que consideravam uma crise urbana com medidas de expansão urbana que contribuíram para futuras crises de mobilidade e ordenamento do território baseadas na previsão e promoção do aumento da utilização de automóveis particulares (Sousa, 2022, Schipper e outros 2020, Norton 2020, Oldenziel et al. 2020). Esta apresentação irá discutir o planeamento urbano de Lisboa após o impulso dado pelo ministro das Obras Públicas e Comunicações Duarte Pacheco no início da década de 1930 e o trabalho desenvolvido para Lisboa pelos arquitetos-urbanistas Alfred Agache e Étienne de Gröer. Apresentará também os resultados desta reflexão no projeto de investigação “Hi-BicLab - Laboratório de História das Mobilidades Urbanas Sustentáveis: Políticas Cicláveis de Lisboa”.
Em 1933, o ministro Duarte Pacheco encarregou Agache de elaborar um plano de urbanização da zona que se designaria como “Costa do Sol”. Seguindo a sugestão de Agache de estudar o problema de um “ângulo mais amplo”, a Costa do Sol tornou-se uma das extensões do novo plano de urbanização de Lisboa, estudado a partir de 1938 por um dos colaboradores de Agache, Etienne de Gröer. Tanto Agache como De Gröer, membros da Sociedade Francesa de Urbanistas e proponentes do conceito de cidade-jardim (com adaptações), partilharam ideias presentes na retórica anti urbana da ditadura de direita do Estado Novo português (1933-74), para a qual trabalharam, nomeadamente a necessidade de combater as densidades populacionais elevadas através da expansão urbana baseada na mobilidade rodoviária motorizada. As prescrições de Agache e De Gröer foram normativas e carregavam consigo os futuros usos sociais traduzidos no traçado da cidade, contribuindo para outras formas de injustiça na mobilidade quanto à cidade acessível e limpa (sem poluição atmosférica ou sonora) e quanto ao direito ao espaço público (Sousa, 2022).
O projeto de investigação Hi-BicLab trouxe novos insights sobre o que tem sido tornado invisível neste processo de se “vender” a mobilidade automóvel na capital portuguesa, não apenas em termos de opções sobre que dados considerar no planeamento urbano, estatísticas e nos discursos de outras fontes, mas também em termos do que foi preservado nos arquivos e do que foi construído na historiografia e nas perceções e imaginários sobre o passado de outras pessoas.