Catarina Alves, dutoranda no Departamento de Química e Bioquímica e investigadora do Centro para a Biodiversidade e Genómica Integrativa e Funcional de Ciências - BioFIG, venceu o prémio Jovem Investigador da Sociedade Europeia de Aterosclerose.
O trabalho que a distinguiu - “Novel functional APOB mutations outsider LDL-binding region causing familial hypercholesterolemia” -, aborda a hipercolesterolemia familiar (FH), “uma das doenças monogénicas mais comuns no mundo”, já que “cerca de 1 em 300 ou 500 pessoas tem esta doença. Os doentes apresentam colesterol muito elevado desde a nascença - mais de 290 mg/dl -, e apresentam, por esta razão, um elevado risco cardiovascular, podendo sofrer um evento cardiovascular prematuramente”.
A cerimónia de entrega do prémio, traduzido na quantia de 2000€, decorreu em junho no 82.º Congresso da Sociedade Europeia de Aterosclerose – EAS 2014, em Madrid.
Para a cientista, profissionalmente este prémio é “o reconhecimento dos últimos anos de trabalho. A FH é uma das doenças genéticas mais comuns [e] contribuir para aumentar o conhecimento nesta área é um dos objetivos do grupo de trabalho deste artigo. A importância clínica do trabalho apresentado, demonstra que estamos a fazer corretamente o nosso trabalho produzindo evidência científica que ajude a melhorar o prognóstico destes doentes”.
Este trabalho identificou novos genes associados à hipercolesterolemia familiar e, dessa forma, permitirá um avanço significativo no diagnóstico precoce de uma patologia que tem uma frequência de 1/500 nas populações europeias e que está associada a um risco cardiovascular elevado na infância e adolescência.
“Dada a grande dedicação da Ana Catarina ao seu trabalho de doutoramento, considero que esta distinção foi totalmente merecida e constitui um incentivo para a sua carreira científica, agora que está prestes a dar um passo tão significativo”, reforçou o professor do Departamento de Química e Bioquímica de Ciências e co-orientador da estudante, Carlos Farinha.
Fique a conhecer o estudo desenvolvido pela investigadora do BioFIG na entrevista a seguir apresentada.
Fonte: CA
Ciências - O que é a hipercolesterolemia familiar?
(CA) - A hipercolesterolemia familiar (FH) é uma das doenças monogénicas mais comuns no mundo. Cerca de 1 em 300 ou 500 pessoas tem esta doença. Estes doentes apresentam colesterol muito elevado desde a nascença (mais de 290 mg/dl) e apresentam por esta razão um elevado risco cardiovascular, podendo sofrer um evento cardiovascular prematuramente.
Ciências - Em que consiste o trabalho desenvolvido?
CA - O diagnóstico molecular da FH é realizado por sequenciação dos genes: receptor das LDL (LDLR), apolipoproteína B (APOB) e PCSK9. No entanto, para o gene da APOB apenas são estudados, nos laboratórios de todo o mundo, dois fragmentos onde foram descritas as únicas mutações patogénicas. Até 2010 - data em que foram analisados os resultados deste trabalho -, pensava-se que apenas mutações nestes fragmentos causavam hipercolesterolemia familiar. Neste trabalho, pesquisámos através da técnica de pirosequenciação, mutações em todo o gene APOB de indivíduos com diagnóstico clínico de FH e sem uma mutação nos genes associados à FH. Demonstrámos, através de estudos funcionais em três tipos de células, que há mutações fora destes fragmentos que também são patogénicas.
Ciências - Em que se traduziu o trabalho de investigação?
CA - Com os resultados obtidos neste trabalho ficou demonstrado a necessidade de se alargar o diagnóstico da hipercolesterolemia familiar a todo o gene da APOB de forma a se identificarem corretamente estes doentes. Pensamos que cerca de 10% dos doentes com diagnóstico molecular negativo à data podem ter uma mutação funcional em qualquer parte do gene da APOB. Este trabalho contribuiu assim para que um maior número de doentes sejam correctamente identificados e possam receber aconselhamento e tratamento adequado e atempado para reduzir o seu elevado risco cardiovascular.
Ciências - Qual o seu caráter inovador?
CA - Demonstrámos através de estudos funcionais, em três tipos de células, que existem mutações patogénicas no gene APOB que originam FH. O estudo funcional foi realizado nas três diferentes células em toda a família (caso índex e seus familiares). Provámos a existência das primeiras mutações patogénicas no gene APOB, fora da região, consensos da ligação da partícula de LDL ao recetor das LDL.
Ciências - O que significa para si, pessoalmente e profissionalmente, esta distinção?
CA - Profissionalmente é o reconhecimento dos últimos anos de trabalho. A FH é uma das doenças genéticas mais comuns, contribuir para aumentar o conhecimento nesta área é um dos objectivos do grupo de trabalho deste artigo. A importância clínica do trabalho apresentado, demonstra que estamos a fazer corretamente o nosso trabalho produzindo evidência científica que ajude a melhorar o prognóstico destes doentes.
Pessoalmente é um orgulho o reconhecimento internacional, mostrando que o esforço e dedicação compensam. Este prémio mostra que apesar de não termos os mesmos recursos que grandes grupos na Europa ou América, conseguimos fazer um bom trabalho e contribuir para o aumento do conhecimento científico.
Fonte: CA
Legenda: Catarina Alves em Bilbao (setembro de 2012), onde realizou parte do trabalho
Ciências - Que importância assume este trabalho no contexto científico em que se insere?
CA - Com a identificação e comprovação funcional de que são mutações patogénicas, os grupos que estudam FH em todo o mundo deverão repensar o diagnóstico molecular da FH e incluir o estudo de todo o gene APOB de forma a identificar precocemente estes doentes reduzindo, desta forma, o seu elevado risco cardiovascular.
Ciências - Considera que a população portuguesa está devidamente informada sobre este assunto?
CA - Infelizmente, a população portuguesa, na sua maioria, desconhece que existe uma doença genética chamada hipercolesterolemia familiar e os riscos associados a ela. Esta doença é a causa monogénica mais comum de doença cardiovascular prematura e o mais importante é que a doença cardiovascular pode ser evitada desde que os doentes sejam identificados e tratados em idade jovem. Quanto mais precocemente for um individuo com FH identificado, maior é a sua esperança de vida. As crianças e adolescentes de pais com esta doença devem ser acompanhadas desde a infância de forma a prevenir a doença cardiovascular na idade adulta. É necessário que a população saiba que existe esta doença que embora seja genética as suas consequências são evitáveis. Desta forma, é importante que se desenvolvam mais ações de divulgação sobre esta doença tanto para a comunidade médica como para a leiga.
Ciências - Que balanço faz do 82.º Congresso da Sociedade Europeia de Aterosclerose – EAS 2014, realizado em Madrid?
CA - O congresso apresentou temas atuais na área da aterosclerose, promoveu a troca de ideias entre os parceiros europeus, bem como a apresentação de resultados importantes de ensaios clínicos que estão a ser desenvolvidos para novas drogas para reduzir os valores de colesterol.
Fonte: CA
Legenda: "Este prémio mostra que apesar de não termos os mesmos recursos que grandes grupos na Europa ou América, conseguimos fazer um bom trabalho e contribuir para o aumento do conhecimento científico"
Ciências - Qual o feedback da comunidade científica presente no evento?
CA - A comunidade científica presente no evento congratulou-me, e a toda a equipa, pela qualidade do trabalho desenvolvido. Disseram que Portugal estava de parabéns!
Ciências - Quais os próximos passos a dar no trabalho em questão?
CA - Otimizar um novo teste diagnóstico recorrendo às tecnologias de sequenciação de nova geração que permitirá o estudo de todo o gene da APOB, aplicando, desta forma, diretamente os resultados obtidos no estudo premiado. Todos os doentes que tinham um diagnóstico negativo irão ser novamente sequenciados para este gene. Este trabalho já está a ser desenvolvido no Grupo de Investigação Cardiovascular por uma das minhas colegas.
Ciências - O que está a fazer agora e o que projetos planeia para o futuro?
CA - Neste momento sou coordenadora de campo do projecto e_COR (prevalência de fatores de risco cardiovascular na população adulta residente em Portugal). Para além disso, continuo a trabalhar no projeto sobre identificação de novos genes na hipercolesterolemia familiar. No próximo ano continuarei a desenvenvolver trabalho na área da hipercolesterolemia familiar em Bilbao mas continuarei a pertencer ao grupo de Mafalda Bourbon quer no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge como no BioFIG.
Ciências - Há já outros projetos definidos?
CA - Sim, o Grupo de Investigação Cardiovascular, coordenado por Mafalda Bourbon e ao qual eu pertenço tem, neste momento, cerca de seis projetos na área das dislipidemias familiares e prevenção cardiovascular, nos quais participo. Eu irei candidatar me a uma bolsa de pós-doutoramento para estudar a genética da dislipidemia familiar combinada, uma doença poligénica mas com um elevadíssimo risco cardiovascular. Irei tentar ir um tempo para o Canadá para um laboratório top nesta área e depois voltar para Portugal e para o Grupo de Investigação Cardiovascular para aplicar tudo o que aprendi.