O que faço aqui? | Nuno Araújo

Nuno Araújo, 38 anos

Investigador no Centro de Física Teórica e Computacional / Ciências ULisboa
Doutorado em Física pela Universidade do Minho

Professor no Departamento de Física de Ciências ULisboa e investigador no Centro de Física Teórica e Computacional (CFTC), na área da Física da Matéria Condensada, Nuno Araújo considera que “em investigação não há eremitas”. Quer com isso dizer que é necessário que os investigadores estejam “integrados numa equipa onde há uma massa crítica e curiosidade suficientes para discutir ideias e trabalhar em conjunto para “produzir” conhecimento com impacto na comunidade internacional”. Foi por isso que procurou Ciências ULisboa e o CFTC, uma “referencia internacional” na área de Soft Matter. O seu trabalho de investigação na área da Matéria Condensada – que representa 99% da matéria do nosso planeta – pretende responder a perguntas quase do tamanho do Universo. É que, ao contrário de outras áreas da Física, onde a base teórica está pronta para ser aplicada a várias situações, na Física da Matéria Condensada não existe uma teoria geral que nos permita descrever a dinâmica. É preciso desenvolver novas teorias e novos modelos. “A forma como olhamos o mundo é uma forma de fazer ciência e uma inspiração para o nosso trabalho de ‘laboratório’”, diz-nos. E enquanto observa o mundo nunca lhe saem da cabeça algumas das principais questões da sua investigação: Quais os mecanismos relevantes para o estudo da dinâmica? Que padrões e estruturas se formam? Como é que as propriedades físicas e em particular a resposta dinâmica de um sistema dependem das estruturas formadas?

 

Que trabalho de investigação desenvolve em Ciências Ulisboa?

Nuno Araújo (NA) - Eu sou professor no Departamento de Física e desenvolvo trabalho de investigação no Centro de Física Teórica e Computacional (CFTC), na área da Física da Matéria Condensada.  Esta é a área da Física que se dedica ao estudo de sistemas de muitas partículas que interagem fortemente entre si. Essas partículas podem ser átomos, moléculas, grãos de areia, bactérias, células, animais... O que é intrigante nestes sistemas é que as propriedades Físicas são emergentes, ou seja, dependem muito mais da forma como as partículas se organizam no espaço e no tempo (simetrias) do que dos detalhes de cada uma. Há vários exemplos no nosso dia a dia. Um exemplo que todos conhecemos é a gelatina. A sua textura, consistência e maneira como vibra quando agitada é independente do sabor que escolhemos. Outro exemplo são as pilhas de areia, farinha ou arroz. A forma cónica que adquirem em nada depende da composição química de cada um deles.  Mas há muitos mais exemplos: os fluídos, os cristais líquidos... Na verdade, 99% da matéria no nosso planeta está na forma condensada. O desafio para a Matéria Condensada passa pela identificação de propriedades comuns a diferentes sistemas e pelo desenvolvimento de modelos capazes de os descrever.

Que respostas pretende encontrar com a sua investigação?

NA - A investigação na área de Matéria Condensada no CFTC foca o estudo de sistemas onde as estruturas são flexíveis e as respostas (mesmo a pequenas perturbações) são fortemente não lineares (Soft Matter). Um exemplo são os cristais líquidos, onde se tira partido dessa “facilidade” de alteração da estrutura para produzir ecrãs de computador ou telemóvel de alta resolução. Outro exemplo é a pilha de areia, onde ao deslocar um único grão podemos despoletar uma avalanche. Com os meus colaboradores e estudantes, tenho desenvolvido modelos teóricos e métodos computacionais para estudar e prever a estrutura (organização espacial) e a dinâmica de Soft Matter. As perguntas que procuramos responder são: quais os mecanismos relevantes para o estudo da dinâmica? Que padrões e estruturas se formam? Como é que as propriedades físicas e em particular a resposta dinâmica de um sistema dependem das estruturas formadas? Mais recentemente, temos explorado como se pode adaptar ideias e métodos que foram desenvolvidos no contexto de Soft Matter para estudar outros sistemas, em particular sistemas biológicos, como colónias de bactérias ou tecidos celulares. Também aí as propriedades coletivas dependem da forma como as unidades (bactérias ou células) se organizam. Estes sistemas são ativos, convertem localmente energia em atividade biológica (para nadar, crescer, dividir-se) o que coloca desafios à aplicação de modelos e técnicas desenvolvidas originalmente para sistemas passivos.

Sugestão de leitura / audição / visualização..

Há duas leituras que recomendo.
A primeira é o artigo “More is different” de Philip Anderson, prémio Nobel da Física em 1977, onde ele discute a necessidade de desenvolver novas ideias e métodos para estudar os fenómenos emergentes. É também uma homenagem pessoal no ano em que nos deixou e às suas contribuições seminais para a Física da Matéria Condensada. A segunda leitura é o livro “A different universe” de Robert Laughlin, prémio Nobel da Física em 1998, onde ele discute a natureza hierárquica das leis da Física.

 

Quando não estou a fazer ciência estou a...

O treino que adquirimos molda a nossa forma de pensar e agir em todos os momentos da nossa vida. A forma como olhamos o mundo é uma forma de fazer ciência e uma inspiração para o nosso trabalho de “laboratório”. Quando não estou a trabalhar num determinado problema, gosto de “beber” novas ideias. É por isso fundamental para mim ler, viajar e conhecer pessoas novas e diferentes.

 

Quais são para si os grandes desafios da ciência para as próximas décadas?

NA - A Física do Séc. XX estava dominada pelo reducionismo. A ideia de que o único conhecimento relevante são as leis (ditas) fundamentais e de que é possível uma teoria de tudo. Hoje sabemos que reducionismo não é construtivismo. O conhecimento das leis fundamentais é obviamente importante, mas não é necessário (nem útil) para descrever a dinâmica coletiva das partículas que queremos estudar. As leis da Física são hierárquicas e é fundamental identificar as escalas de energia, comprimento e tempo de interesse. Um dos desafios para o Séc. XXI passa pelo desenvolvimento de teorias que nos permitam estudar a dinâmica coletiva. Ao contrário de outras áreas da Física, onde a base teórica está pronta para ser aplicada a várias situações, na Física da Matéria Condensada (intrinsecamente) fora do equilíbrio não existe uma teoria geral que nos permita descrever a dinâmica. É preciso desenvolver novas teorias e novos modelos. Como estamos a tratar fenómenos de muitos corpos, existem poucos limites com solução analítica que possam ser perturbados para tratar os casos reais e em muitas situações temos que recorrer a modelos computacionais para melhor compreender a dinâmica destes sistemas e desenvolver teorias mais sólidas e abrangentes.

O que o trouxe para a Ciência?

NA - A pergunta a que vou responder é antes o que me trouxe para Ciências. A investigação desenvolvida em Ciências (em particular no CFTC) na área de Soft Matter ao longo das últimas décadas é única ao nível nacional e uma referência internacional. Apesar de não ter sido aluno em Lisboa, enquanto estudante e investigador, em Portugal e no estrangeiro, sempre ouvi falar de Ciências como a “casa” da Soft Matter em Portugal. Por isso, quando decidi regressar a Portugal, juntar-me a esta casa era o mais natural. Em investigação não há eremitas. Precisamos de estar integrados numa equipa onde há uma massa crítica e curiosidade suficientes para discutir ideias e trabalhar em conjunto para “produzir” conhecimento com impacto na comunidade internacional. Encontrei tudo isso em Ciências, acompanhado por uma forte complementaridade entre aquilo que são as minhas competências e interesses científicos e o trabalho que estava a ser desenvolvido aqui.

Que conselhos dá aos mais novos que pensam seguir a carreira de investigação?

NA - O melhor treino para uma carreira científica é aproveitar as diferentes oportunidades para viver e aprender num ambiente de investigação científica: estágios, teses, palestras, conferências... Este tipo de experiências são fundamentais para qualquer carreira porque ajudam a desenvolver competências de trabalho em grupo, pensamento crítico, capacidade de sintetizar informação e argumentar com os pares – competências fundamentais no mercado de trabalho do Séc. XXI. É com essas experiências que vamos conhecendo melhor as diferentes áreas de investigação, os problemas em aberto e os métodos de trabalho. Um exercício fundamental para desenvolver sentido crítico no desenvolvimento de uma carreira científica é ter a capacidade de escolher com quem se quer trabalhar. Um exercício que proponho sempre aos alunos que me procuram indecisos sobre que áreas ou grupos escolher é ler os últimos trabalhos dos diferentes grupos e perguntarem-se se gostariam de ter sido autores desses trabalhos. Isso dá-nos uma perspetiva mais concreta do que se faz, como se faz e porque se faz...

 

* Na rubrica "O que faço aqui?" compilamos entrevistas a investigadores do universo Ciências ULisboa, que nos falam sobre a investigação que fazem, os grandes desafios da ciência mas também de outras paixões que alimentam. Ler todas as entrevistas.