O que faço aqui? | Marisa Silva

Marisa Silva, 35 anos

Investigadora no MARE - Centro de Ciências do Mar e do Ambiente / Ciências ULisboa
Mestrado e Doutoramento em Biologia – Ecotoxicologia (Faculdade de Ciências da Universidade do Porto)

A investigadora Marisa Silva de óculos de sol e phones

Marisa Silva (Centro de Ciências do Mar e do Ambiente - MARE) nasceu no seio de uma família “com tradições de mar”. Cresceu rodeada de histórias da vida na faina, do seu avô Alfredo, na zona do Porto de Leixões, e passava férias de Verão com a família na Costa Vicentina e Algarvia, onde ia com o pai “ver os peixinhos”. Assim nasceu também o interesse pelas ciências da vida e, possivelmente, as sementes da sua carreira de bióloga. Hoje, dedica-se à proteção do ecossistema, avaliando a prevalência e o impacto de toxinas na nossa costa. Aposta em técnicas de detecção eficazes e rápidas, para que a sua monitorização seja o mais eficiente possível minimizando os riscos para a saúde pública e contribuindo para a segurança alimentar. Pode também ser vista a assistir a concertos de música underground (rock, metal e experimental) ou a viajar, duas das suas grandes paixões.

Que trabalho de investigação desenvolve?

Marisa Silva (MS) - Encontro-me a trabalhar como Investigadora Auxiliar Contratada no Departamento de Biologia Vegetal, desenvolvendo o meu trabalho no Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE). Durante o Mestrado e Doutoramento iniciei a minha investigação na área das toxinas marinhas emergentes. Fiz parte de vários projetos europeus, tendo tido o privilégio de trabalhar com equipas de outros países, nomeadamente: Inglaterra, França, Irlanda e Espanha, onde fiz parte do meu Doutoramento, fundamentado na ação conjunta das alterações climáticas e dos “inputs” antropogénicos como facilitadores da migração e dispersão de espécies tóxicas típicas de ambientes tropicais para ecossistemas mais temperados como o Atlântico Norte. Estas toxinas apresentam uma toxicidade / letalidade superior às correntemente legisladas, e tem a capacidade de serem integradas na cadeia trófica, podendo chegar ao prato de um consumidor. De forma a responder a este desafio emergente, foquei a minha investigação na monitorização destes compostos, amostrando a costa Portuguesa (arquipélagos dos Açores e Madeira incluídos) e a costa Marroquina, em busca de novos vetores destas toxinas para melhor avaliação do risco para a saúde pública. No laboratório contribuí para o desenvolvimento de novas técnicas de rastreio destes compostos, passando pela otimização de extrações e culminando no desenvolvimento de métodos analíticos com recurso a técnicas hífenadas, como LC/UPLC-MS/MS. Correntemente, faço parte da equipa do Biotox (laboratório de Biomonitorização e Ecotoxicologia) onde estou a integrar a minha linha de investigação, fazendo a ponte com os objetivos do grupo que passam pela avaliação dos efeitos de contaminantes emergentes (nano-partículas metálicas, cosméticos, resíduos farmacêuticos, biocidas, etc) em ecossistemas marinhos, nomeadamente em organismos autotróficos.

Que respostas pretende encontrar com a sua investigação?

MS - Um dos meus objetivos enquanto investigadora é contribuir para a segurança alimentar, apoiando a atualização da legislação relativa a biotoxinas marinhas e planos de monitorização fazendo a ponte com as autoridades públicas responsáveis pela aplicação dessas normas de segurança. Há muito para descobrir, quais os impactos reais destas toxinas no ecossistema, vias de intoxicação, desenvolvimento de métodos de diagnóstico eficazes e quais os efeitos a longo prazo de uma exposição sub-letal crónica.  Não esquecendo também a sua aplicação em termos farmacêuticos, e lembrando que tudo é tóxico conforme a dose. Tendo em mente que nada se faz sem trabalho de equipa (“I'm a team player”), é importante manter os canais de comunicação abertos entre grupos de investigação, sendo cruzamento de dados crucial para chegar a conclusões sólidas e soluções eficazes. Mantenho estreita colaboração com outros laboratórios, como o Departamento de Farmacologia da Universidade de Santiago de Compostela (uma das minhas "casas de formação") para levar os meus objetivos de investigação a bom porto. Faço parte de uma equipa jovem e com “sede” por resultados, pelo que acredito que esta oportunidade na UL me vai fazer crescer como profissional elevando a minha investigação a outro patamar.

Quais são para si os grandes desafios da ciência para as próximas décadas?

MS - Em linha com o que respondi anteriormente, no campo das toxinas emergentes o desafio prende-se em aprofundar as vias tróficas "preferenciais" destes compostos, uma vez que podemos dividi-los por lipofílicos e hidrofílicos. É imperativo avaliar os impactos destas toxinas no ecossistema, desvendando a sua prevalência real na nossa costa, apostando em técnicas de detecção eficazes e rápidas, para que a sua monitorização seja o mais eficiente possível minimizando os riscos para a saúde pública. O desenvolvimento de mecanismos preditivos fiáveis da ocorrência destas toxinas também é de crucial importância para salvaguardar a saúde dos consumidores, assim como as perdas económicas nos sectores da pesca e aquacultura. Outro desafio relaciona-se com a aproximação entre o meio académico e sector da saúde, apostando em estudos epidemiológicos e os efeitos crónicos de exposição a estas biotoxinas cujos efeitos ainda estão por desvendar. 

 Sugestão de leitura / audição / visualização

Recomendo qualquer literatura ou documentário relacionado com a vida de Jacques-Yves Cousteau, dada a sua importância à época no desenvolvimento do mergulho autónomo e contribuição para exploração subaquática e 
aprofundamento do conhecimento dos oceanos. 

Quando não estou a fazer ciência estou a...

Quando não estou a fazer ciência gosto de me dedicar a outras áreas criativas, porque nós somos muitas coisas enquanto indivíduos. Gosto de dedicar estar com a minha família e amigos, assistir a concertos de música underground (rock, metal e experimental), viajar, adoro cozinhar, testar e alterar receitas e fazer desporto, acredito no cliché "mente sã/corpo são" e que temos que estar constantemente a desafiar-nos em prole do bem-estar físico e mental. 

Que conselhos dá aos mais novos que pensam seguir a carreira de investigação?

MS - Mantenham a "chama acesa", sejam perseverantes, tenham espírito crítico, façam perguntas, não tenham vergonha de abordar um investigador/a em que admirem o seu trabalho. Muitas vezes a teoria é diferente da prática, pelo que é crucial experimentarem para “tirarem teimas" e perceberem se realmente gostam de uma área específica. No meu caso em particular foi de extrema importância os estágios que fiz em diferentes áreas para perceber a área em que me queria especializar. Façam "networking", falem com os investigadores sénior e busquem orientação, assim como eu estou agradecida aos meus mentores ao longo de toda a minha formação.

O que a trouxe para a Ciência?

MS - Tenho a sorte de ter nascido numa família com tradições de mar, desde pequena cresci com as histórias da vida na faina, do meu avô Alfredo, conhecido como Mestre de pesca "Gravatinha" na zona do Porto de Leixões, Matosinhos. Das minhas recordações mais queridas de infância, para além das histórias do meu avô, são as das férias de verão, ia com a minha família para a Costa Vicentina e Algarvia. O meu pai faz caça submarina e sempre que vinha do mar, depois de uma pausa para descanso, levava-me sempre pela mão "ver os peixinhos", e assim nasceu o interesse pelas ciências da vida, em conjunto com os documentários da National Geographic que davam aos fins-de-semana e que me prendiam à televisão.

 

* Na rubrica "O que faço aqui?" compilamos entrevistas a investigadores do universo Ciências ULisboa, que nos falam sobre a investigação que fazem, os grandes desafios da ciência mas também de outras paixões que alimentam. Ler todas as entrevistas.