Bernardo Duarte, 37 anos
Investigador no MARE Centro de Ciências do Mar e do Ambiente / Ciências ULisboa
Doutorado em Biologia, especialidade Ecologia (Ciências ULisboa)
Bernardo Duarte (MARE) gosta de passear à beira-mar nos tempos livres, embora por defeito de profissão veja objetos de investigação por todo o lado: é investigador na área da Ecotoxicologia, tentando compreender os efeitos nefastos dos contaminantes (como cosméticos, resíduos farmacêuticos, biocidas e nanopartículas) em organismos marinhos, como micro e macro algas, ervas marinhas e plantas. Chegou à ciência pela via do espanto causado por programas como “Era uma vez a vida..”, a que assistia quando era pequeno, e mais tarde por documentários da National Geographic e da BBC. Aos que pensam também seguir os trilhos da ciência no futuro, aconselha: “não tenham receio e ousem fazer as perguntas menos lógicas ou que vos pareçam mais descabidas do mundo”.
Que trabalho de investigação desenvolve?
Bernardo Duarte (BD) - Neste momento sou investigador auxiliar júnior do Departamento de Biologia Vegetal e desenvolvo o meu trabalho de investigação no Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE). Nos anos anteriores ao meu doutoramento foquei a minha investigação na Biogeoquímica de contaminantes em ambientes estuários, ou seja, as transformações que os contaminantes sofrem ao longo do ecossistema estuarino por ação das plantas, animais e bactérias que nele abitam. Durante o doutoramento foquei principalmente os impactos das alterações climáticas nestes ambientes, principalmente nos ecossistemas de sapal e na fisiologia das comunidades de plantas que nelas habitam. Durante este período foquei a minha investigação na aplicação de técnicas bioquímicas mas também em especializar-me em técnicas bio-óticas. Estas técnicas permitem avaliar a fisiologia de um determinado organismo fotossintético através de tecnologias óticas, como pulsos de luz modulada ou sistemas laser. Esta combinação de técnicas permitiu-me desenvolver novas técnicas e empregá-las na minha presente linha de investigação, a Ecotoxicologia. Nesta área pretendemos avaliar os efeitos nefastos dos contaminantes, nomeadamente de contaminantes emergentes, como cosméticos, resíduos farmacêuticos, biocidas e nanoparticulas metálicas, em organismos marinhos, principalmente organismos fotossintéticos. Esta é uma das linhas que temos vindo a desenvolver no BIOTOX - Laboratório de Biomonitorização e Ecotoxicologia.
Que respostas pretende encontrar com a sua investigação?
BD - Aliando as técnicas bio-óticas com abordagens clássicas em Ecotoxicologia, como avaliações de biomarcadores através de abordagens bioquímicas e fisiológicas, neste momento pretendemos avaliar a aplicação destas técnicas óticas em testes de ecotoxicologia. Estas técnicas óticas permitem uma avaliação não evasiva dos organismos (ou seja sem ser necessário interferir com os mesmos ou sacrificá-los) e do seu estado de stress quando expostos a diferentes contaminantes. Esta abordagem tem ainda a vantagem em relação às abordagens clássicas de permitir uma avaliação praticamente instantânea do estado do organismo, ao invés das técnicas bioquímicas clássicas, muito mais demoradas. Uma vez que estas técnicas óticas geram ainda um grande volume de dados, temos estado a colaborar as equipas do BioISI- Instituto de Biossistemas e Ciências Integrativas e do LASIGE que desenvolvem a sua investigação na área da inteligência artificial e aprendizagem automática. Com esta abordagem pretendemos criar uma metodologia automática de classificação dos organismos quando expostos a contaminantes, que permitirá por exemplo testar em organismos marinhos fotossintéticos (como micro e macro algas, ervas marinhas e plantas) os efeitos de novos compostos produzidos pelos novos processos industriais e que potencialmente poderão chegar ao ambiente marinho, antecipando desta forma os seus efeitos tóxicos nestes ecossistemas. Uma vez que estes contaminantes são muitas vezes desenhados para atuarem noutros organismos (por exemplo fármacos e cosméticos de uso humano) desconhece-se por completos os seus mecanismos de ação em organismos marinhos não alvo. Desta forma em colaboração com investigadores do DQB e do Laboratório de FT-ICR e Espectrometria de Massa Estrutural, temos estado a estudar as mudanças ao nível metabólico das células (através de técnicas de metabolómica de última geração) quando expostas a diferentes contaminantes e como é que isto afeta por exemplo o papel essencial destes organismos enquanto organismos sequestradores de CO2 e produtores de oxigénio, essencial a todos nós bem como a toda a vida marinha. Estes são os principais objetivos do Projecto OPTOX (Development and validation of bio-optical ecotoxicological tests in marine phototrophs), um dos principais projetos que coordeno neste momento e que impulsionou também a criação do grupo BIOTOX.
Quais são para si os grandes desafios da ciência para as próximas décadas?
BD - Um dos grandes desafios na área da Ecotoxicologia para as próximas décadas penso que será perceber como é que estes organismos tendem a modificar-se e adaptar-se em ambientes continuamente expostos a efluentes contaminados com os mais variados compostos. Em Ecotoxicologia usamos organismos de laboratório controlados em que são expostos durante um determinado período de tempo a um determinado contaminante ou composto que se pretende avaliar. No entanto no ambiente tudo é muito diferente. Os organismos estão não só expostos a uma parafernália de compostos potencialmente tóxicos e que podem ou não ter efeitos sinergéticos, mas estão também em permanente convivência com estes compostos podendo por isso desenvolver mecanismos de resistência e tolerância a estes compostos. Estes mecanismos do ponto de vista biotecnológico têm elevado interesse pois podem por exemplo ser fonte de genes de resistência a determinado composto tóxico. Estas capacidades e genes quando isolados podem por exemplo conferir a capacidade a um determinado organismo para retirar (remediar) compostos tóxicos de efluentes contaminados, atuando como agentes remediadores do ecossistema, sem no entanto evidenciar sinais de stress e toxicidade. Tendo ainda em conta os efeitos que todos sabemos que são cada vez mais evidentes em termos de alterações climáticas torna-se também interessante perceber como é que estas vão potenciar ou reduzir os sintomas de toxicidade exibidos pelos organismos, e se estes importantes organismos fotossintéticos que contribuem para a produção de cerca de metade do oxigénio do nosso planeta, serão capazes de continuar a desempenhar este papel essencial a toda a vida na Terra.
Um sugestão para quem nos lê (leitura / audição / visualização)...
Duas sugestões: o livro “Genoma: autobiografia de uma espécie em 23 capítulos” de Matt Ridley e o documentário “Home” (2009) de Yann Arthus-Bertrand. O primeiro trata-se de um livro de um jornalista doutorado em Zoologia e da sua visão do genoma humano. Cada um dos 23 capítulos foca um dos 23 cromossomas do genoma humano e escolhe um gene recém-descoberto (em 2001) em que ao contar a história deste gene e do seu papel no organismo humano, acaba por contar história da nossa espécie desde a alvorada da vida até ao limiar da medicina do futuro, mostrando como os genes e o ambiente se combinam para nos tornar o que somos hoje. “Home” apesar de ser um documentário com 11 anos já, é de facto uma óptima reflexão do impacto do Homem na sua casa, no planeta Terra. Este documentário é inteiramente composto de imagens aéreas (fantásticas) de vários lugares da nossa “casa”, ao mesmo tempo que mostra como a humanidade tem vindo a ameaçar o equilíbrio ecológico.
Quando não estou a fazer ciência estou a...
Passear à beira mar (embora aqui por defeito de profissão é quase impossível não olhar à volta e ver objetos de investigação por todo o lado), viajar, ouvir música, ler (não tanto quanto gostaria) e aproveitar o tempo possível com família e amigos.
O que o trouxe para a Ciência?
BD - Penso que deve ser o clichê mais respondido a esta pergunta, mas terá sido a curiosidade pelo mundo que nos rodeia. Desde pequeno que assistia primeiro aos episódios animados de “Era uma vez a vida..” e mais tarde aos documentários tradicionais da National Geographic e da BBC que todos assistimos ao fim de semana enquanto se esperava pelo almoço. Toda aquela variedade de formas, cores, organismos, ambientes e em particular os mais extremos, despertavam a curiosidade de como é que estes seres conseguem sobreviver a determinadas condições, como é que as células se adaptaram e que “armas” possuem para serem tão bem sucedidos em locais onde o ser humano não sobreviveria mais do que uns dias ou meses na melhor das hipóteses. Penso que daqui terá surgido a curiosidade na área da Biologia e Fisiologia do stress. O facto de ter integrado ainda durante a licenciatura uma unidade de investigação focada no meio marinho (antigo Centro de Oceanografia, hoje MARE) aliado ao meu gosto natural pelo meio marinho, impulsionou-me a aplicar desta curiosidade na área da biologia e fisiologia do stress aos organismos marinhos.
Que conselhos dá aos mais novos que pensam seguir a carreira de investigação?
BD - Que sejam persistentes e curiosos. A carreira de investigação em Portugal não é um caminho fácil, e tem muitos obstáculos ainda, mas se desenvolverem essa mesma investigação nas áreas que mais interesse lhes despertam, torna-se uma carreira muito gratificante, com novos resultados sempre a surgir, sem que se torne uma carreira rotineira. Aconselho também a que não tenham receio e ousem fazer as perguntas menos lógicas ou que vos pareçam mais descabidas do mundo. Grande parte da investigação dita de ponta ou que tem vindo a demonstrar os resultados mais interessantes, partiu muitas vezes de associações entre técnicas e equipas à partida improváveis e de perguntas e teorias “fora da caixa”, que muito provavelmente no momento em que foram feitas pareciam não fazer qualquer sentido e que hoje em dia revelam-se ter sido as perguntas certas feitas no momento certo.
* Na rubrica "O que faço aqui?" compilamos entrevistas a investigadores do universo Ciências ULisboa, que nos falam sobre a investigação que fazem, os grandes desafios da ciência mas também de outras paixões que alimentam. Ler todas as entrevistas.