O que faço aqui? | Andreia Figueiredo

Andreia Figueiredo, 39 anos

Investiagdora no BioISI – Instituto de Biossistemas e Ciências Integrativas / Ciências ULisboa
Doutorada em Biologia Celular e Molecular (Ciências ULisboa)

Andreia Figueiredo ao lado de um peixe gigante construído em material reciclado

O fascínio pelo mundo que a rodeia e a satisfação por poder gerar um conhecimento único levaram Andreia Figueiredo (BioISI) ao curso de Biologia e, posteriormente, à carreira de investigação. O grupo que lidera tenta, através do estudo da interação da videira com patógenos, gerar ferramentas que possam ser usadas na agricultura para a redução da necessidade de aplicação de químicos. A maior sustentabilidade de produção de alimentos e a preservação  de recursos naturais são duas das suas principais preocupações que lhe ocupam a mente, mesmo quando cuida da sua coleção de cactos e suculentas. E quanto ao futuro da ciência? “A ciência não pode atuar apenas em “estado de emergência”, tem de ter solidez, continuidade e estabilidade”.

Que trabalho de investigação desenvolve?

Andreia Figueiredo (AF) - Desde o doutoramento que o meu foco de investigação centra-se na interação planta-patógeno, utilizando como modelo a interação entre a videira e o Plasmopara viticola (agente causador do míldio da videira). Sendo as plantas organismos sésseis, sempre me fascinou a capacidade que possuem para se adaptarem e defenderem perante alterações ambientais e ataques de patógenos. No caso particular da videira, a espécie Vitis vinífera, principal espécie cultivada na Europa para produção de uva de mesa e vinho, evoluiu sem contacto com o P. viticola até ao início do século XIX. O patógeno foi introduzido na Europa através de estacas contaminadas de videiras americanas (resistentes a este patógeno), que iriam ser utilizadas como porta enxerto para a videira Europeia Vitis vinífera.
Neste momento, a indústria vitivinícola é uma das indústrias com maior utilização de fungicidas a cada ano, para prevenção de doenças como o míldio. No contexto de uma maior sustentabilidade de produção, o conhecimento científico dos mecanismos de defesa das plantas é crucial. A abordagem que desenvolvemos pode ser denominada por biologia de sistemas, ou seja, procuramos um conhecimento global, caracterizando diferentes níveis dos processos celulares através de técnicas OMICAs (genómica, trasncritómica, proteómica, metabolómica e fenómica). Esta abordagem permitiu-nos identificar mecanismos cruciais para o estabelecimento de uma resposta de defesa eficaz por parte da planta. Neste momento, o grupo de investigação que eu lidero, Grapevine Pathogen Systems Lab (GPS Lab), procura validar os candidatos (genes, proteínas) e mecanismos que identificámos previamente (abordagem de genómica funcional). Dentro das suas linhas de investigação, o GPS Lab também procura correlacionar o efeito do terroir microbiano (metagenómica por sequenciação Nanopore) com o fitness das plantas, bem como a identificação de biomarcadores de resistência e/ou suscetibilidade. A nossa investigação é desenvolvida no centro de investigação BioISI – Instituto de Biossistemas e Ciências Integrativas, em laboratório sediados no Departamento de Biologia Vegetal (DBV).

Que respostas pretende encontrar com a sua investigação?

AF - Um dos maiores desafios que enfrentamos no futuro é a preservação dos recursos naturais associada à produção de alimentos. Com o crescente aumento da população mundial, a produção de alimentos ocorre de forma intensiva, o que provoca uma redução da biodiversidade, contaminação de solos e aquíferos bem como efeitos deletérios para a saúde humana associados ao crescente uso de químicos. No caso particular da viticultura, procuramos conjugar duas abordagens na nossa investigação, uma abordagem mais fundamental que nos permite gerar conhecimento ao nível dos processos que permitem que a planta reconheça os patógenos e ativação dos mecanismos de defesa, e uma abordagem mais aplicada, através da qual procuramos aplicar os conhecimentos que geramos à prática agrícola (seja pela identificação de marcadores para programas de melhoramento, ou identificação de moléculas com potencial biopesticida ou elicitador da imunidade das plantas). Com a investigação que desenvolvemos procuramos gerar ferramentas que possam ser utilizadas na agricultura para reduzir a necessidade de aplicação de químicos, nomeadamente fungicidas.

Uma sugestão para quem nos lê (leitura / audição / visualização)...

Visualização: Programa Biosfera da RTP2 “Como melhorar culturas agrícolas com a ajuda da Natureza?" com a participação do GPS Lab com o projeto: Microbioma da vinha; Leitura: “What evolution is” de Ernst Mayr – um grande livro que nos introduz a diversidade da vida na Terra, a sua origem e evolução.

Quando não estou a fazer ciência estou a...

Passar tempo de qualidade com a família; cozinhar; ouvir música; a fazer jardinagem, adoro cactus e suculentas  (aliás tenho uma coleção ;) )

Quais são para si os grandes desafios da ciência para as próximas décadas?

AF - De uma forma mais lata, sem dúvida que um dos maiores desafios que a ciência encontra para as próximas décadas se centra em gerar conhecimento e ferramentas para promover a sustentabilidade dos processos produtivos, a diminuição da poluição, a mitigação das alterações climáticas bem como o combate de novas doenças emergentes.
Sendo muito pragmática, na minha opinião, uma dos maiores desafios que a ciência enfrenta é o investimento, a preservação dos cientistas e principalmente a mudança da visão dos governos no que concerne ao papel da investigação científica no mundo atual.
Sem dúvida que a pandemia que enfrentamos hoje poderá levar a essa alteração, mas a ciência não pode atuar apenas em “estado de emergência”, tem de ter solidez, continuidade e estabilidade.

O que a trouxe para a Ciência?

AF - Uma imensa curiosidade e fascínio pelo mundo que me rodeia. Sempre soube que queria seguir uma área relacionada com Ciências, e no decurso da licenciatura em Biologia (em Ciências ULisboa) acabei por ficar rendida ao trabalho de investigação científica. Não é de todo um percurso fácil mas é extremamente desafiante e premiado pelo sentimento de que estamos a dar um contributo válido para a sociedade e pela satisfação de estarmos a gerar um conhecimento único.

Que conselho dá aos mais novos que pensam seguir a carreira de investigação?

AF - Primeiro, que não se iludam, não é uma carreira fácil. Tem de ser uma decisão consciente e ponderada. Quando tomada a decisão de enveredar por uma carreira de investigação, o que posso dizer aos alunos é que sejam genuínos, que permeiem o conhecimento, que oiçam os outros (a ciência não se faz sozinha, faz-se em equipa, com colaborações), que se mantenham humildes, que trabalhem com dedicação e acima de tudo que sejam felizes!

 

* Na rubrica "O que faço aqui?" compilamos entrevistas a investigadores do universo Ciências ULisboa, que nos falam sobre a investigação que fazem, os grandes desafios da ciência mas também de outras paixões que alimentam. Ler todas as entrevistas.