O que é uma Bioilha?
Nascidas de uma vontade já antiga de transformar o espaço público urbano, as Bioilhas propõem a conversão de áreas verdes tradicionais em ecossistemas biodiversos abertos ao uso livre da comunidade envolvente. Ao invés de um espaço amplo, estéril e exposto, como é o caso dos relvados, as Bioilhas criam espaços de clareira rodeados por vegetação densa, criando um ambiente mais convidativo, tranquilo e confortável para o campus da FCUL. O seu epíteto “Salas de aula biodiversas” surge da necessidade de aumentar a oferta de espaços que sirvam o ensino ao ar livre mais vocacionado para a prática das Ciências Biológicas. Sendo zonas de intervenção lenta e gradual, as Bioilhas têm como propósito a co-criação do ecossistema pelas partes envolvidas no projecto. Mais ainda, constituem uma oportunidade de os alunos sentirem que são parte da construção e evolução do campus, fomentando o sentido de responsabilidade pelos espaços que frequentam.
As Bioilhas proporcionam à comunidade um espaço mais biodiverso, mais agradável e tranquilo, reduzindo a poluição visual, sonora e atmosférica. Para além disso, reduzem o consumo de água gasto na manutenção de relvados em espaço público, justificando a meta do ODS 11.7: Até 2030, proporcionar o acesso universal a espaços públicos seguros, inclusivos, acessíveis e verdes.
Em suma, as Bioilhas são espaços multifuncionais que (1) constituem uma oportunidade para a prática de atividades científicas em contexto de ensino para os mais variados cursos associados às áreas de ambiente e sustentabilidade (função académica/científica); são (2) locais de suporte de biodiversidade urbana no campus (função ecológica); (3) promovem espaços de lazer exteriores promotores da saúde mental, estreitando laços com a Natureza (função social); para além de (4) difundir informação/conhecimento e sensibilizar a comunidade para a pertinência destes novos espaços verdes em contexto urbano (função pedagógica).
O esquema da Bioilha do C5 com a clareira reservada ao uso pela comunidade académica.
Como chegámos aqui?
A edição de 2023 do Concurso de Ideias para a Sustentabilidade em Ciências serviu de mote para a concepção deste projeto. A HortaFCUL respondeu ao desafio lançado pela faculdade, propondo continuar a sua missão na renovação de paradigmas relativos planeamento de sistemas vivos urbanos. A proposta venceu a menção honrosa do concurso por “considerar que a mesma apresenta um grande potencial, ao adaptar espaços verdes atuais que têm baixa utilidade”. A sua execução em menos de dois meses foi possível graças à parceria formada com o projecto LIFE Desert Adapt (LDA), através da Associação para a Defesa do Património de Mértola (ADPM), coordenadora do projecto em Portugal, no qual a FCUL foi entidade parceira de investigação . O LDA teve como propósito aplicar no terreno medidas de adaptação às alterações climáticas através da densificação da vegetação autóctone em áreas vulneráveis à desertificação, como é o caso da região do Alentejo. Estando o projecto a chegar ao fim neste ano, os excedentes das plantas que não foram utilizados nos casos de estudo foram gentilmente cedidos à HortaFCUL, através dos técnicos Filipe Silva e Miguel Ribeiro da ADPM (ex-alunos FCUL e ex-guardiões da HortaFCUL) para serem aplicados num dos espaços do campus. Este donativo extraordinário disponibilizou cerca de 2 milhares de plantas autóctones características de ecossistemas mais resilientes à seca.
Bioilhas? Para quê?
O aumento exponencial das populações urbanas nas últimas décadas tem promovido um crescimento do impacto ambiental das cidades tanto na degradação e destruição da biodiversidade circundante como na própria saúde humana. Para além disso, a transformação radical do espaço decorrentes da expansão do tecido urbano aumentam a vulnerabilidade do território a fenómenos climáticos extremos, como cheias (impermeabilização excessiva do solo) ou ondas de calor (superfícies absorventes de calor). A nível local, Lisboa é a sétima cidade europeia mais exposta a ondas de calor. Uma das medidas mais consensuais no combate ao efeito destas fontes de perturbação consiste na criação e ampliação de espaços verdes. Para além dos claros benefícios que as áreas verdes trazem a nível de regulação (aumento da qualidade do ar), cultura (espaços recreativos) e suporte (âncoras de biodiversidade), estes lugares têm uma importância desproporcional na saúde mental das pessoas: a Natureza em proximidade é uma questão de saúde pública.
Uma vez, que as Bioilhas resultam de uma parceria com o projecto LIFE Desert Adapt, cujo enfoque é a recuperação e regeneração de áreas degradadas suscetíveis à desertificação através do plantio denso e biodiverso de espécies autóctones da flora portuguesa. As Bioilhas são um modelo deste projecto num campus líder em investigação científica na área de ecologia, alertando a sua comunidade para a importância de apostar em medidas regenerativas da floresta portuguesa e dos ecossistemas a elas associados. (ODS 15.1: Até 2020, assegurar a conservação, recuperação e uso sustentável de ecossistemas terrestres )
Segundo o investigador Cecil Konijnendijk, co-fundador do Nature Based Solutions Institute (NBSI), as cidades devem pautar-se pela regra dos 3-30-300 no que diz respeito à gestão dos seus espaços verdes: qualquer cidadão deve conseguir ver pelo menos 3 árvores da sua janela, viver um bairro com, no mínimo, 30% de cobertura vegetal e estar a 300m ou menos de um espaço verde mais amplo, seja ele um jardim ou um parque. Lisboa está muito longe do recomendado no que diz respeito a estas metas: 70% da sua população tem um acesso deficiente a espaços verdes, estando em 653º a nível europeu no que toca a mortes que poderiam ter sido evitadas se houvesse uma aposta real no impacto destas áreas na qualidade de vida das pessoas. Seguindo a bitola da regra dos 3-30-300, apenas 2% dos edifícios em Lisboa cumprem as suas condições. São números que devem ser mitigados com a implementação de soluções concretas e simples. As faculdades devem ser locais de inovação e de entrada de novos preceitos para a sociedade civil e a FCUL deve prosseguir a sua missão, através da aplicação directa no seu campus, mostrando que este tipo de abordagens são possíveis noutros locais da cidade, e mesmo noutros contextos urbanos.
Oficina sobre plantação de bosques biodiversos
No fim-de-semana de 1 e 2 de Julho de 2023, os guardiões da HortaFCUL, em conjunto com os técnicos Filipe Silva e Miguel Ribeiro da ADPM, organizaram uma oficina sobre plantação de bosques densos e biodiversos em dois espaços de relvado na FCUL. Durante estes dois dias de atividades, contou-se com a participação de 35 voluntários das mais diferentes origens e áreas de formação. O método seguido foi adaptado da experiência do projecto LIFE Desert Adapt, com a formação de ninhos com uma árvore e quatro arbustos. Foram abertas covas de plantação cobertas posteriormente com cartão (para evitar o crescimento excessivo da relva), composto e estilha de madeira (cobertura de solo). Na Bioilha mais pequena (junto ao C5), foi ainda adicionada uma sementeira generosa de plantas anuais de produção (abóbora, milho, feijão, ervilhas, entre outras) para criar um microclima mais propício à sobrevivência das plantas. Entre a selecção feita pela ADPM, contam-se 30 espécies diferentes de flora autóctone de Portugal, incluindo sobreiros (Quercus suber), azinheiras (Quercus ilex), alfarrobeiras (Ceratonia siliqua), pilriteiros (Crataegus monogyna), amendoeiras (Prunus dulcis), carvalhos-cerquinhos (Quercus faginea) ou adernos-bastardos (Rhamnus alaternus), apenas para citar algumas. Todas estas plantas constituirão, no futuro, o corpo do bosque que rodeará as clareiras, onde haverá bancos e mesas para usufruto livre da comunidade.
Coordenador do projeto: António Vaz Pato
Membros do projeto: Beatriz Vicente, David Avelar, Filipe Silva, Florian Ulm, Francisco Oliveira, Miguel Ribeiro
Crédito das fotografias: Beatriz Vicente e Diogo Ribeiro
Para mais informações, contactar sustentabilidade@ciencias.ulisboa.pt.