Mário Vilas, Jorge Maia Alves e Marta Sousa Silva.
Os carros solares em exposição no interior da oficina brilham sob a luz que entra pelas janelas, como que a aguardar o sinal de partida. Mas, nesta tarde de novembro, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa), não são motores que se preparam para arrancar — são conversas. Entre risos e copos servidos, estudantes e investigadores enchem a Oficina das Energias para o evento ‘Ciência no Copo’, prontos para falar de percursos improváveis, descobertas científicas e do caminho que leva a ciência à sociedade.
O convívio, organizado pela Oficina das Energias em parceria com o Núcleo de Estudantes de Química e Bioquímica, integra a Semana da Ciência e da Tecnologia promovida pela Ciência Viva - Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica. A atmosfera descontraída, onde se mistura o aroma cítrico de gins tónicos com a curiosidade de jovens estudantes, dá o tom certo para uma tarde de ciência em modo informal.

Sob o mote ‘Do laboratório à sociedade’, dois convidados de peso tomam o centro da sala. À esquerda, Jorge Maia Alves, professor catedrático do Departamento de Ciências da Terra e Energia, ex-subdirector da Faculdade e investigador integrado no Instituto Dom Luiz, habituado a navegar entre a física e a inovação. À direita, Marta Sousa Silva, professora auxiliar do Departamento de Química e Bioquímica, investigadora principal no Instituto de Biossistemas e Ciências Integrativas — BioISI — e recentemente distinguida com o Prémio Docência de Excelência. À esquerda de ambos, Mário Vilas, presidente da Oficina das Energias, guia a conversa.
Durante duas horas, os temas fluem naturalmente — investigação, inovação, empreendedorismo, comunicação de ciência, ciência cidadã. E, ao ritmo das perguntas dos estudantes, as histórias pessoais começam a surgir.
Marta conta como começou a estudar Biologia Vegetal, a trabalhar com camélias e lúpulo. Mas, com o tempo, descobriu uma nova paixão: problemas bioquímicos ao nível molecular, investigados com espectrometria de massa, uma técnica que permite analisar e identificar em detalhe compostos químicos numa amostra. Hoje, Marta aplica estas ferramentas na descoberta de biomarcadores, moléculas que ajudam a identificar doenças, e no desenvolvimento de fármacos.
“Não me via a trabalhar com ratinhos ou rãs, como alguns dos meus colegas biólogos. Sempre gostei das plantas”, conta Marta Sousa Silva aos estudantes.
Jorge Maia Alves, por sua vez, partilha que começou a sua carreira na Física da Matéria Condensada. Mas a curiosidade e a necessidade de explorar áreas aplicadas levaram-no ao estudo do armazenamento de energia e da energia solar, campos em que hoje se destaca. Recorda os momentos difíceis do percurso académico: chegou a ponderar desistir do curso.
“As decisões realmente importantes da vida raramente são programadas”, confessa Jorge Maia Alves.
Decidiu dar a si próprio um ano para reorganizar o percurso e encontrou na mentoria de um professor um farol que lhe mostrou que estava no caminho certo. Terminou o curso e tornou-se assistente estagiário na própria faculdade, dando aulas aos colegas — uma situação “caricata”, nas suas palavras, mas extremamente formativa. “O que mais me motivava era o desafio de trabalhar de forma autónoma e definir o meu próprio rumo”, explica.

O tema da inovação traz uma energia diferente à sala. Maia Alves traça um retrato vívido da evolução da relação entre academia e empresas em Portugal. Durante décadas, a investigação era vista como um fim em si mesma, e pensar em aplicações práticas era quase como um “pecado”. Submeter patentes era algo quase proibido para alguns investigadores, dificultando a transferência de conhecimento para a sociedade.
Hoje, no entanto, o panorama mudou: o Tec Labs — Centro de Inovação da Ciências ULisboa — tornou-se um motor de inovação, gerando spin-offs e estreitando a ponte entre a investigação académica e o mercado.
“Devemos ser a instituição nacional de ensino superior que gerou mais spin-offs de sucesso na última década”, afirma Maia Alves, destacando a importância da visão aplicada da ciência.
A conversa também aborda o contraste de tempos entre empresas e academia. Para uma empresa, atrasar compromissos pode ser financeiramente desastroso; para um investigador, prolongar um doutoramento por um ou dois anos é habitual. “É preciso vontade e confiança de ambas as partes”, explica Maia Alves. Marta acrescenta que, embora muitas empresas ainda se fechem a colaborações, há sinais claros de aproximação: “Cada vez mais, as empresas vêm ter connosco. O diálogo está a aumentar e isso é essencial para transformar ciência em soluções concretas”.

Os copos dos 30 participantes vão esvaziando e a tarde avança. Mário Vilas pergunta “ainda há um trabalho a fazer na Faculdade de Ciências?”. Maia Alves é claro: “Mal estaremos quando as instituições de ensino superior não tiverem um longo caminho a percorrer”, sugerindo que essa é a natureza contínua da missão universitária.
Além da inovação, a discussão destaca a importância da curiosidade e da iniciativa própria. Aos alunos — muitos prestes a terminar licenciaturas ou mestrados — são deixadas mensagens de incentivo. Maia Alves sublinha: “Uma das melhores métricas da qualidade de uma universidade é aquilo que os alunos fazem por iniciativa própria”, elogiando a organização do evento por parte dos estudantes.
Marta reforça o papel da curiosidade: “Sem curiosidade, estamos apenas a seguir uma receita. Acreditem em vocês próprios, sigam os vossos sonhos e procurem as pessoas certas. A área científica não importa: cada um constrói o seu próprio percurso”.

