Miguel Inácio, 28 anos
Doutorando em Geologia (Geodinâmica Externa), IDL / Ciências ULisboa
Mestrado em Geologia (Geologia do Ambiente, Riscos Geológicos e Ordenamento do Território), Ciências ULisboa
Miguel Inácio (Instituto Dom Luiz / Ciências ULisboa) investiga a evolução de sapais até ao final do séc. XXI, que poderão ser fundamentais na mitigação das alterações climáticas. Escolheu o caminho da investigação para “poder fazer descobertas e trazer algo de inédito ao mundo” também por poder juntar a esse trabalho a missão de o divulgar. “De nada serve fazer descobertas inéditas, se depois elas não chegarem a ninguém e ficarem fechadas numa gaveta ou numa pasta de computador”. Nem só à ciência aplica as suas competências de divulgação e dedica parte do seu tempo livre à ficção e à escrita de histórias e contos.
Que trabalho de investigação desenvolve?
Miguel Inácio (MI) - Atualmente estou a fazer o doutoramento em Geologia (Geodinâmica Externa) na Ciências ULisboa, estando integrado no programa doutoral EARTHSYSTEMS do Instituto Dom Luiz. O meu projeto de doutoramento tem como título “Climate change, sea-level rise and risk of inundation of high intertidal areas”. Estou a trabalhar no Departamento de Geologia da Faculdade.
Que respostas pretende encontrar com a sua investigação?
MI - O meu trabalho tem como principal objetivo estudar a evolução de sapais em contexto de alteração climática, particularmente de subida do nível médio do mar, até ao final do século XXI.
Os sapais são ambientes intertidais muito relevantes e muito vulneráveis à subida do nível médio do mar. A importância destes ambientes relaciona-se com os diversos serviços que fornecem aos ecossistemas. São importantes pela elevada biodiversidade que englobam (florística e faunística); são a primeira barreira de proteção da linha de costa em ambientes estuarinos; têm a capacidade de absorver poluentes, sendo por isso ambientes filtradores da qualidade da água em ambientes como estuários; têm ainda a capacidade de absorver carbono atmosférico, sendo este um serviço fundamental na mitigação das alterações climáticas.
Assim, com a minha investigação pretendo compreender de que forma é que estas importantes áreas irão evoluir, podendo assim estimar os prejuízos obtidos com a sua hipotética destruição – ou pelo menos diminuição de área, algo que se tem observado um pouco por todo o mundo nas últimas décadas.
Quais são para si os grandes desafios da ciência para as próximas décadas?
MI - É comum ouvirmos dizer que há uns anos era mais fácil fazer novas descobertas, porque havia muito por descobrir – em oposição ao que observamos hoje, em que está tudo descoberto. Eu penso que vencer esta premissa é um dos desafios da ciência para as próximas décadas. Imagino que os grandes cientistas do passado estariam também rodeados de pessoas que achavam que estava tudo descoberto. Por isso, parece-me fundamental vencer esta barreira e compreender que a dificuldade é ver para lá do que já foi descoberto. Esse é o papel do cientista.
Um sugestão para quem nos lê (leitura / audição / visualização...)
Sou um grande fã de TED talks, recomendo. Outra sugestão, esta um pouco mais académica, mas que não posso deixar de recomendar. Os relatórios do IPCC (International Panel on Climate Change) são extremamente interessantes para quem se interessa por alterações climáticas. Estão cheios de números, mas também existem as versões síntese que permitem ficar a saber um pouco mais sobre este tema, especialmente num momento em as fake news quase conseguem superar os factos e investigação que se faz nesta área.
Quando não estou a fazer ciência estou a...
Quando não estou a fazer ciência há uma coisa que gosto especialmente de fazer: escrever. Escrever histórias ou contos que nada têm de ciência (ainda que às vezes também misture os dois).
Para além disso, interesso-me bastante por carros e por tecnologia e tento estar sempre a par das novidades do mercado. Resta acrescentar que este gosto por tecnologia que me acompanha desde muito antes de ir para a faculdade, tem sido uma ferramenta muito útil no meu trabalho enquanto investigador.
Outra área que me fascina e que acompanho, ainda que um pouco mais à distância, é a política nacional e internacional.
O que o trouxe para a Ciência?
MI - A ciência e a comunicação são as duas áreas que mais gosto. Em ciências é possível ter um trabalho onde o grande objetivo é fazer descobertas e trazer algo de inédito ao mundo – esse é um trabalho fantástico. Durante o meu percurso académico descobri que é possível juntar a este trabalho, a missão de o divulgar – e desde esse momento que me sinto muito confortável a trabalhar em ciência.
Que conselhos dá aos mais novos que pensam seguir a carreira de investigação?
MI - A carreira de investigação, tal como todas, tem coisas boas e más. A oportunidade de poder descobrir coisas novas e de as dar a conhecer à sociedade é sem dúvida o ponto mais positivo deste trabalho.
O trabalho de investigação nem sempre nos permite obter os resultados que queremos e, por isso, temos de viver com a consciência de que não chegar a um resultado é por si um resultado. Então, considero que nesta profissão é fundamental ter um gosto muito grande pelo que se está a fazer. Caso contrário, torna-se um trabalho muito difícil de concretizar.
Por fim, parece-me que o gosto por comunicação é essencial. De nada serve fazer descobertas inéditas, se depois elas não chegarem a ninguém e ficarem fechadas numa gaveta ou numa pasta de computador. Há uma expressão que está muito em voga e com a qual eu não me identifico minimamente, que é a dos “Comunicadores de Ciência”. Não vejo o sentido de se diferenciarem os comunicadores de ciência, na medida em que acredito que a comunicação é parte integrante do trabalho de qualquer cientista e, sem a qual, o seu trabalho estará incompleto.
* Na rubrica "O que faço aqui?" compilamos entrevistas a investigadores do universo Ciências ULisboa, que nos falam sobre a investigação que fazem, os grandes desafios da ciência mas também de outras paixões que alimentam. Ler todas as entrevistas.