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Planeamento familiar e o “problema da população” em Goa, c.1920-c.1977

Sala 8.2.39, FCUL, Lisboa
Planeamento familiar e o “problema da população” em Goa, c.1920-c.1977

Este paper analisa a reformulação das questões de população em Goa, em face da integração geográfica e política deste território na Índia em Dezembro de 1961 e das transformações económicas e sociais que se lhe seguiram. Defende-se aqui que estas mudanças envolveram também uma transformação nas “políticas da vida” (‘politics of life’), no contexto dos novos valores, necessidades e objetivos que constituíam a ideologia e programa nacionalista indianos, aos quais Goa chegava com catorze anos de atraso (a independência da Índia Britânica deu-se em 1947). Adota-se aqui a definição de “política da vida” segundo Didier Fassin: “não apenas uma questão de governamentalidade e tecnologias mas também de significados a valores”.[1] Ou seja, considera-se que o programa de planeamento familiar do governo central da Índia não se limitou apenas a introduzir em Goa técnicas contracetivas e a legalização da prática do aborto (rejeitadas durante o período de soberania portuguesa), como meios de controlo e disciplina da reprodução dos indivíduos, acompanhadas de estratégias educativas destinadas à sua inculcação como uma necessidade individual e coletiva. Esse programa, os seus métodos e as técnicas que preconizava implicavam uma exceção ao carácter inviolável da vida, que dominara os raros debates sobre métodos contracetivos durante o período de administração colonial portuguesa. Estas mudanças materializaram-se em novos instrumentos de regulação governamental da reprodução, legitimados por um discurso sobre o melhor interesse dos indivíduos, a sua saúde (especialmente a saúde das mulheres e das crianças), bem como sobre a sua responsabilidade para com o bem comum. O programa de planeamento familiar ancorava-se (e ancora-se ainda) em princípios de desenvolvimento económico e social, tornando as questões de controlo da população inseparáveis de questões de saúde e bem-estar. Nesta política programada e em larga medida controlada pelo governo central, a necessidade de corresponder ao equilíbrio, por vezes tenso, entre local e nacional tornou-se evidente, sugerindo que, em alguns aspetos, as imposições pós-coloniais podiam ser tão intrusivas como as coloniais.

[1] Didier Fassin, ‘Another politics of life is possible’, Theory, Culture & Society, 2009, 26(5): 44-60 at 44.

Nota biográfica: Mónica Saavedra é antropóloga e trabalha em investigação nas áreas da antropologia médica e da história da medicina em Portugal e em Goa, Índia. Desenvolveu pesquisa sobre as vacinas e a vacinação no Portugal contemporâneo e sobre o controlo e a eliminação da malária neste país. A sua tese de doutoramento deu origem ao livro A Malária em Portugal: Histórias e Memórias, publicado em 2014 pela Imprensa de Ciências Sociais. Presentemente, Mónica Saavedra encontra-se a trabalhar num livro sobre as políticas de saúde e a história dos cuidados de saúde primários em Goa, Índia, no século XX.

18h00
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