Computação

A Inteligência Artificial Generalista vem aí - e pode demorar menos de cinco anos a chegar

Meredith Ringel Morris, investigadora da Google DeepMind

Meredith Ringel Morris, Diretora de interação com IA da Google Deepmind, admite que os próximos cinco anos possam trazer novos sistemas generalistas

DCI-CIÊNCIAS

O ranking MMLU continua uma referência para quem trabalha com Inteligência Artificial (IA), mas até uma cientista da computação como Meredith Ringel Morris tem dúvidas de que esse ranking consiga ser referência para o resto da população. “Por vezes já não se percebe bem o que significam os resultados obtidos nesse ranking (por cada solução de IA)”, avisou a diretora de Investigação em Interação Humano-IA da Google DeepMind, numa palestra organizada pelo laboratório LASIGE, que teve lugar esta terça-feira na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (CIÊNCIAS). “Não é só medir por medir. Há que medir coisas que realmente importam para as pessoas”, acrescenta a investigadora americana.

As palavras de Ringel Morris poderiam ser encaradas apenas como um exercício de crítica contra quem tem tentado aferir a real capacidade dos algoritmos de IA, mas também servem de premonição. Repegando em notícias e estudos recentes, a especialista em interfaces entre humanos e Inteligência Artificial admite como possível que os primeiros sistemas de Inteligência Artificial Generalista (AGI) venham a surgir no mercado num prazo de dois a cinco anos. O cenário não deixa de ser auspicioso: A AGI é tida como a evolução que falta para, de alguma forma, dar resposta às expectativas sobre o aparecimento dos primeiros sistemas baseados em algoritmos, que abrangem diferentes áreas do saber e executam tarefas em vários contextos, como os humanos.

Meredith Morris, no grande auditório de Ciências
Estudantes, professores e investigadores acorreram ao Grande Auditório de CIÊNCIAS para ouvir Meredith Ringel Morris

Poderá haver quem julgue estar a lidar com previsões típicas de um guião de filme ficcional, mas a Meredith Ringel Morris basta fazer uma simples comparação com o que de melhor tem sido feito. E até nem precisou sair do histórico da marca em que trabalha para ilustrar a diferença: em 2024, o prémio Nobel da Química foi atribuído a três mentores do sistema de IA AlphaFold, da Google DeepMind, que permitiu descodificar imbricadas estruturas de proteínas. Sem tirar ponta de mérito aos investigadores David Baker, Demis Hassabis e John Jumper no desenvolvimento da nova ferramenta científica, esse prémio Nobel não permite esquecer que o AlphaFold tem por base uma IA especializada, que tem por objetivo as simulações que desconstroem proteínas.

Sem dúvida que foi um grande salto para ciência, mas não invalida que a comunidade científica se mantenha à espreita de um salto de igual monta para o dia em que a IA passe a ser AGI. E nesse caso, é até expectável que a AGI possa subir na escala do conhecimento e até passe a integrar os conhecimentos agregados ao longo do tempo por especialistas humanos de várias áreas do saber dentro de 10 anos. Mas esse é apenas o cenário em que a AGI consegue o grau de sofisticação mais avançado – e a própria Meredith Ringel Morris, sem esconder o entusiasmo no novo paradigma tecnológico, também admite que há fatores que podem não ser controláveis. O que torna plausível um cenário de evolução em que a IA escala, nos próximos cinco anos, até a um nível de competência na execução de tarefas de diferentes áreas e contextos, e se mantém num “planalto” evolutivo durante parte da próxima década, sem conseguir alcançar os níveis de especialização dos peritos humanos.

Mas se há tanta euforia em torno do tema, o que pode afinal travar o crescendo da IA? Meredith Ringel Morris não hesita ao elencar fatores, começando pela aplicação de regulação por governos que poderão  não estar satisfeitos com a evolução da IA, mas sem deixar de admitir que também podem surgir limitações de capacidade energética ou ambiental nos diferentes sistemas computacionais. “E também pode acontecer que sejam necessários novos paradigmas!”, acrescentou ainda.

Entre os esquemas que a especialista da Google Deepmind fez desfilar frente ao grande auditório de CIÊNCIAS, há um que se destacou de sobremaneira pela tentativa de ilustrar a capacidade de influência exercida pelas máquinas no imaginário humano. Se é verdade que, neste momento, a IA tende a ser mais conhecida pela expansão para as áreas do conhecimento humano, também não deixa de ser verdade que há uma expansão em sentido contrário que leva os humanos a obterem novas lógicas e formas de encararem problemas mais complexos porque já usam IA.

É nessa encruzilhada que as interfaces entre homens e máquinas ganham relevância – e abrem até caminho para o antropomorfismo, com a atribuição de características dos humanos a sistemas de IA, com o objetivo de fomentar a empatia. Entre os riscos desta corrente antropomorfista, figura a possibilidade de as pessoas passarem a confiar em sistemas que consideram inteligentes, ou que parecem atuar com o mesmo senso comum dos humanos, mas afinal seguem outras lógicas. “Há que ter em conta que estes sistemas eventualmente podem fazer coisas que as pessoas não sabem”, lembrou Ringel Morris, sem deixar de alertar para necessidade de analisar bem os efeitos produzidos na população pelos novos modelos de interação com as máquinas. “Em vez de acharmos que a IA vai automatizar tudo, devemos encará-la como algo que tem capacidade de desbloquear (funções). Se calhar, algumas vezes, vamos querer que faça tudo de forma autónoma, e noutras vamos preferir que colabore connosco como assistente”, referiu ainda a investigadora durante a preleção.

De resto, no caso de a AGI evoluir para o cenário mais sofisticado, até pode acontecer que as interfaces usadas pelos humanos sejam totalmente diferentes das de hoje, devido à crescente tendência de uso de dados multimodais, que tentam funcionar de forma equivalente aos sentidos humanos, para depois tentarem inferir pensamentos, estados de espírito ou raciocínios dos interlocutores durante um qualquer diálogo. “Temos de analisar as reações das pessoas antes de lançar estas coisas livremente no mercado”, sublinha.

Meredith Ringel Morris lembrou a importância das interfaces na Inteligência Artificial
Meredith Ringel Morris lembrou a importância das interfaces na Inteligência Artificial

É também por questões de design que a investigadora recorda que as instruções (ou prompts) que são dadas aos diferentes sistemas de IA não podem continuar a ser confundidas com mera comunicação na linguagem dos humanos. E como prova disso mesmo recordou todas as prompts altamente complexas que já começaram a ser vendidas no circuito comercial pelo facto de implicarem conceitos e estratégias que facilitam a extração de informação. Manter esta diferença entre diálogos e prompts pode ser especialmente valiosa, tendo em conta que a própria IA está a funcionar como trampolim de novos dispositivos, como os “crachás” artilhados de sensores que recolhem toda a informação à volta do utilizador, e logo se disponibilizam a executar várias tarefas e missões. Ringel Morris recorda que estes primeiros conceitos têm fracassado, mas acredita que a evolução da IA acabará por potenciar novos formatos. E como exemplo de maior potencial aponta para o duelo que tem sido levado a cabo por Google e Meta em torno do desenvolvimento de óculos de realidade virtual e aumentada.

“Há agora uma oportunidade para desenvolver novos formatos (de interação) que têm em conta os nossos princípios”, antevê a investigadora.

Em paralelo com os avanços do hardware, o software continua ao rubro, com o objetivo de “engolir” o mundo inteiro para o converter em conhecimento. E os dados sintéticos são apenas uma dessas tendências em crescendo. Hoje, alguns laboratórios já tentam recriar cenários complexos, com réplicas virtuais que tentam comportar-se como humanos, que foram perfilados por antecipação, com a recolha de dados mais ou menos pessoais. Além das questões de privacidade, a tendência levanta questões sobre a legitimidade – e a fiabilidade – de sistemas que preveem reações e comportamentos de indivíduos perante diferentes situações. Os exemplos são mais que muitos, mas podem ser ilustrados facilmente com o diferendo entre os benefícios de criar clones virtuais de entes desaparecidos para apaziguar o luto, e o desenvolvimento de “fantasmas” igualmente virtuais que replicam o comportamento de pessoas que morreram com o único propósito de assediar parentes e inimigos.

A questão permanece em aberto, tal como o tema infoexclusão: Ringel Morris admite que, futuramente, quem tiver menos dinheiro pode ficar limitado ao uso de ferramentas de IA, porque é caro contratar humanos especializados, enquanto os mais ricas poderão combinar os dois recursos à medida das necessidades. Em contrapartida, a explicabilidade da IA, que é o grande desafio sem solução à vista, terá de encontrar uma via para se tornar viável.  

“No Estado, é muito importante o poder de auditar e explicar (a IA)”, referiu Meredith Ringel Morris. “Não podemos trocar, neste momento, pessoas por chatbots, se não forem confiáveis e não conseguirmos explicar o que fazem”, conclui a investigadora.

Hugo Séneca - DCI CIÊNCIAS
hugoseneca@ciencias.ulisboa.pt
Caneta e números

“A matemática é uma parte essencial do património cultural da humanidade”, dizem Ana Rute Domingos e Maria Manuel Torres, docentes do Departamento de Matemática da Ciências ULisboa, a propósito do Dia Internacional da Matemática, que se celebra a 14 de março.

Miguel Marques de Magalhães Ramalho, vulto destacado da comunidade geológica, que foi vários anos professor catedrático convidado da Ciências ULisboa, faleceu a 8 de março de 2021. "A ele se deve a introdução da conceção moderna de Estratigrafia no curso de Geologia do Departamento, enriquecida por saídas de campo de elevado valor didático", escreve a professora Ana Cristina Azerêdo. Ciências ULisboa apresenta sentidas condolências aos seus familiares, amigos e colegas.

Peixes

O primeiro “Guia de Peixes de Água Doce e Migradores de Portugal Continental” coordenado por Maria João Collares-Pereira, professora da Ciências ULisboa e do cE3c, publicado em 2021, já está à venda. Os peixes de água doce são um dos grupos de vertebrados mais ameaçados em todo o mundo. Portugal não é exceção, com mais de 60% das espécies nativas em risco de extinção.

Vinhas Douro, Portugal

A Comissão Nacional da Organização Internacional da Vinha e do Vinho premiou “The interplay between membrane lipids and phospholipase A family members in grapevine resistance against Plasmopara viticola” com a Distinção CNOIV 2020, atribuído ao melhor trabalho nacional de divulgação, experimentação ou investigação no domínio da viticultura, da autoria de um grupo de investigadores da Ciências ULisboa.

Cristina Santos, Margarida Amaral, Claudina Rodrigues-Pousada, Alexandre Quintanilha, Ana Ponces, Pedro Moradas-Ferreira, Ruy Pinto

É com grande tristeza que informamos o falecimento duma grande mulher cientista, a professora Claudina Rodrigues-Pousada, uma grande mentora de vida na Ciência pelo seu empenho, persistência, foco e determinação.

Joana Carvalho

Joana Carvalho, de 28 anos, investigadora na Fundação Champalimaud, alumna da Universidade de Groningen, na Holanda, e Ciências ULisboa, foi uma das cientistas galardoadas com a 17ª edição das Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para Mulheres na Ciência e com uma Individual Fellowships Marie Skłodowska-Curie Actions.

Logotipo Radar

Décima terceira rubrica Radar Tec Labs, dedicada às atividades do Centro de Inovação da Faculdade. A empresa em destaque é a Lean Health Portugal.

Inês Fragata

Doutorada em Biologia Evolutiva pela Ciências ULisboa e atualmente investigadora de pós-doutoramento no cE3c Ciências ULIsboa é uma das quatro jovens cientistas portuguesas premiadas com as Medalhas e vai estudar a contaminação do solo por metais pesados através do tomateiro e ácaros-aranha.

Pilar com frase

Valorizar o conhecimento é a oportunidade para dar a conhecer um outro Portugal que tantas vezes passa despercebido. O press kit da Faculdade tem uma página de especialistas com 162 nomes e mais de 200 temas científicos. É fundamental que os mass media coloquem a ciência no centro das atenções.

O terceiro meeting científico da ação COST EUTOPIA ocorreu entre 15 e 17 de fevereiro passado.Trata-se de um projeto de colaboração interdisciplinar que explora a importância crescente da topologia em sistemas físicos e biológicos, e no desenvolvimento de novos materiais. Esta ação reúne 29 países e mais de 100 participantes. Portugal está representado em dois dos cinco grupos de trabalho temáticos e Patrícia Faísca é responsável pela liderança de um deles.

Perspetiva dos Valles Marineris de Marte

"Os objetivos destas missões compreendem: a preparação clara de uma futura colónia humana em Marte, e a tentativa de responder à questão se houve vida em Marte", escreve o cientista Pedro Mota Machado.

Pisco-de-peito-ruivo

“+Biodiversidade@CIÊNCIAS: Mobilizar a comunidade de Ciências para a promoção da sustentabilidade no Campus” é uma iniciativa do Laboratório Vivo para a Sustentabilidade. Para colaborar neste projeto basta participar nas ações de monitorização, através da plataforma BioDiversity4All ou da app iNaturalist/BioDiversity4All.

Uma pessoa a trabalhar no Centro de Testes

O Centro de Testes (CT) da Ciências ULisboa  atingiu 100% de concordância nas provas a que foi submetido no âmbito do programa mundial de controlo de qualidade da Organização Mundial de Saúde - OMS “WHO Global Round of Laboratory Proficiency Testing” e no Programa Nacional de Avaliação Externa da Qualidade promovido pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA).

Logotipo do projeto

A participação no Projeto Lisboa Romana (Felicitas Iulia Olisipo) vem na sequência de vários anos de colaboração entre os geólogos da Ciências ULisboa e várias equipas de arqueólogos que têm por missão o estudo e a salvaguarda do património arqueológico que ocorre durante as escavações associadas a várias obras na região de Lisboa.

Pessoas no topo de uma colina

O Young Leaders Access Program visa ajudar jovens, entre os 18 e os 26 anos, a impactar as suas comunidades. Leia a crónica de Vasco Medeiros, um dos 50 jovens selecionados em 2020 para realizar este programa. As candidaturas à edição de 2021 terminam em março.

Pessoa

"Existem várias teorias que dão contexto a este medo, mas sobretudo há uma ideia subjacente: o medo de não viver, sentir ou fazer qualquer coisa em vida, uma sensação de vida não vivida", escreve Andreia Santos, psicóloga no GAPsi Ciências ULisboa.

Vários números desenham um coração

Brainteaser é o nome do consórcio que coloca a inteligência artificial ao serviço da saúde, nomeadamente dos doentes com Esclerose Lateral Amiotrófica e Esclerose Múltipla. A Universidad Politécnica de Madrid lidera o consórcio composto por 11 parceiros de Espanha, Itália, Portugal, Sérvia, Irlanda e Bélgica.

CLOUD

As partículas de aerossol atmosférico podem modificar as nuvens e o clima ou contribuir para a poluição urbana. O estudo “Role of iodine oxoacids in atmospheric aerosol nucleation” publicado na Science apresenta os resultados da experiência CLOUD (Cosmics Leaving Outdoor Droplets), anuncia o CERN. Este artigo é assinado por mais de cem investigadores, entre os quais se contam João Almeida, António Amorim, António Dias e António Tomé.

Logotipo Radar

O primeiro Radar Tec Labs de 2021, dedicado às atividades do Centro de Inovação da Faculdade, tem como empresa em destaque a Delta Soluções.

José Artur Martinho Simões

A ideia para esta entrevista surgiu na sequência da publicação do livro "A Anatomia das Moléculas", de José Artur Martinho Simões, pela Imprensa da ULisboa. É um livro curto que numa linguagem simples, precisa e atraente, acompanhada de muitas imagens, nos dá a conhecer o admirável mundo das moléculas, as suas propriedades, ligações e reações.

Pessoa a tomar notas num caderno

Desde que o atual site da Faculdade foi lançado, há cerca de nove anos, foram publicados 1800 géneros jornalísticos relacionados com o ensino, a investigação e a transferência do conhecimento e da inovação nas áreas das ciências exatas e naturais e das tecnociências. Em 2020 publicamos 144 géneros jornalísticos, no ano anterior 121. Este mês demos visibilidade a mais de uma mão cheia de assuntos diferentes.

Monitor com gráfico

Um artigo da autoria de investigadores do Centro de Estatística e Aplicações da Universidade de Lisboa - Luzia Gonçalves, Maria Antónia Amaral Turkman, Carlos Geraldes, Tiago A. Marques e Lisete Sousa - chama a atenção para o uso de forma incorreta de modelos estatísticos, evidenciado durante a pandemia da COVID-19. 

Campus Ciências ULisboa

A Universidade de Stanford divulgou uma lista com os principais cientistas mais citados do mundo em várias áreas científicas. Portugal está representado com 385 cientistas afiliados a instituições portuguesas, 104 são profissionais afiliados a faculdades ou institutos da ULisboa.Ciências ULisboa está representada nesta lista com 14 cientistas.

CGD/MATHFCUL vai participar na final nacional do GMC 2020

A CGD/MATHFCUL participa na final nacional do Global Management Challenge 2020. A 41.ª final nacional do GMC decorre a 15 de março, os resultados serão anunciados a 16 de março de 2021. A equipa vencedora nacional da edição 2020 vai representar Portugal na final internacional.

Pormenor da radiogaláxia gigante MGTC J095959.63+024608.6, detetada com o radiotelescópio MeerKAT

A descoberta de duas novas galáxias gigantes na emissão no rádio sugere que muitas mais destas estruturas impressionantes estarão prestes a revelar-se, segundo um estudo internacional que contou com a colaboração do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço.

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